Isadora Catem Santos [i] 

A crise causada pelo COVID-19 trouxe muitos desafios para o setor museal e outros centros culturais. A perda de grande parte da receita ao fechar as portas por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), colocou muitos desses espaços em posição de fragilidade. Ao mesmo tempo, o momento trouxe novas reflexões sobre esses lugares, que tiveram que ressignificar seu relacionamento com o público e ser criativo tecnologicamente para manter sua atuação durante o distanciamento social.

Em meio a incertezas, uma verdade unânime: existirá um “novo normal” quando o vírus for controlado. Será preciso recriar e muitos começam a pensar sobre como isso se dará, como será essa nova realidade a ser construída e principalmente, o que queremos que faça parte do passado. Como um dos setores mais afetados pelo COVID-19, o museu passa a questionar e ser questionado sobre como deve ser essa reabertura que vai muito além de protocolos e alcança discussões sobre seu papel na sociedade e seu espaço nela. Afinal, é essencial sua existência física após uma sobrevivência digital?

Mais que uma escolha para se relacionar com visitantes e melhorar a experiência museal, o momento atual forçou avanços tecnológicos e amantes de arte e cultura tiveram que se contentar com JPGs, tour online e lives. Mesmo museus que até então funcionavam de maneira mais tradicional, tiveram que se adaptar e produzir conteúdo digital. A comemoração ao Dia Internacional dos Museus (18 de maio), por exemplo, aconteceu virtualmente e teve grande adesão nacional. Outras ações interessantes foram concretizadas, como o baile anual LGBTQ+ Teen Night: Xtravagant Xpressions do Brooklyn Museum, no aplicativo Zoom, assim como uma série de concertos virtuais, lançados pelo Museu Driehaus, em Chicago.

A inclusão digital é uma maneira de alcançar novas camadas de público, alguns até que nunca tiveram a oportunidade de visitar espaços culturais ou que são impedidos por uma barreira geográfica. O uso dessas ferramentas faz com que a cultura seja mais acessível. Como José Ortega y Gasset já dizia: “A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem” [1]. É justamente com esse pensamento que a disponibilidade de um calendário de atividades online, permite aos museus continuar funcionando atualmente e servir de conforto ao cumprir seu papel cultural, tão natural e essencial à humanidade, especialmente em tempos tão instáveis e inquietantes.

Um estudo de 2020 do Cuseum [2] comprova que o cérebro praticamente não diferencia a reprodução digital de uma obra de arte em relação à peça original. Foi descoberto, ainda, que a atividade cerebral dos participantes com pinturas do Museu de Belas Artes de Boston, era ainda mais acentuada quando visualizavam as obras em realidade aumentada. Em opinião contrária, o negociante de arte Massimo De Carlo, considera que a experiência online não é a única resposta. Acredita que é “uma maneira interessante de tornar as coisas visíveis” [3], mas a emoção de ficar em frente a uma obra de arte não pode ser substituída. Reconhece também que a plataforma digital de suas galerias está muito avançada, como algo agregador, porém age com cautela no mundo virtual para não ter uma presença sobrecarregada. 

Entretanto, toda essa comunicação virtual passa a trazer também, novos significados ao espaço físico dos museus e questionamentos sobre uma reabertura, que obriga a uma nova interpretação. Deve-se considerar que já existem museus completamente virtuais, como o Museu da Pessoa [4]. De forma colaborativa, são compartilhadas histórias de vida como acervo desde 1991. Cada vez mais constantes na cultura e crescido nos últimos 20 anos, os cibermuseus, tem exposições que nunca fecham e proporcionam experiências personalizadas para o usuário. Na mesma linha, o projeto ERA VIRTUAL [5] visa a divulgação e promoção do patrimônio cultural brasileiro desde 2008, ao transpor museus, exposições e monumentos do mundo real para o online.

Em meio a tantas iniciativas, os espaços dos museus estariam, afinal, em um mundo cada vez mais digitalizado, se transformando em obsoletos? Terence Koh acredita ter a resposta. Sua exposição seria inaugurada em maio e precisou ser adaptada à versão online, e assim, o artista diz ter descoberto “novos modos de expressão que pareciam tão vitais quanto o desenho que havia planejado originalmente” [6]. Sua crença é que a exposição virtual é tão boa quanto a presencial. O canadense defende que tudo o que precisa fazer como criativo, pode ser feito em qualquer mídia.

Em oposição, Marc Spiegler, o diretor global da rede da feira Art Bassel, acredita que o futuro do mundo da arte não é digital, embora a pandemia tenha impulsionado um desenvolvimento digital das nesse setor, como a feira que tem agora uma versão online. Ele também não nega as mudanças duradouras que esse período proporcionará, trazendo para um futuro “mais operações online e presenciais” [7]. Os eventos serão mais difundidos e haverá mais conteúdo disponível localmente e fora dos principais centros de mercado, aposta o diretor.

A relação com a tecnologia, não trouxe apenas novas possibilidades online para os museus, mas também em seus espaços presenciais, que abarcam experiências sensoriais imersivas, incluindo exposições com aparatos digitais e o uso de dados que melhoram a sua compreensão sobre o público e o espaço. Existe, inclusive, o envolvimento de empresas desenvolvendo projetos de inteligência digital para museus. Na verdade, o que temos hoje são ambientes híbridos, em que estratégias tecnológicas são usadas para potencializar experiências físicas. A coexistência é possível e é vista como tendência. Uma convergência para o online e o surgimento de cibermuseus não implica necessariamente uma substituição, mas sim um acréscimo para as diversas formas do museu se comunicar com seus públicos, e ainda, o coloca cada vez mais em uma perspectiva de menor dependência de estrutura física para seguir a direção de espaço no imaginário coletivo. O essencial é que esse lugar online ou presencial que os museus ocupam, sejam usados de acordo com o potencial de cada um, visando sempre melhorar experiências e gerar debates e mudanças sociais.

Como já dito, a única certeza é que o mundo, incluindo seus microambientes, como os museus, serão alterados no pós-pandemia. É de se esperar que o mundo digital seja mais explorado na reabertura devido ao movimento de inclusão realizado durante esse período. Agora só resta aguardar para ver as formas criativas pelas quais os museus irão se manifestar.


[i] Bacharel em Jornalismo (2016) e Relações Públicas (2018) pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso, Pós-graduada em Indústrias Criativas e Culturais (2020) pela Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Trabalhou no Museu do Amanhã e, atualmente, colabora com o Museu da Pessoa.

[1] https://frases.art.br/jose-ortega-y-gasset/a-cultura-e-uma-necessidade-imprescindivel-de-toda-uma-vida-e-uma.htm 

[2] https://news.artnet.com/art-world/brain-digital-art-reproduction-study-1873623?utm_content=from_artnetnews&utm_source=Sailthru&utm_medium=email&utm_campaign=US%20News%20Afternoon%204:30%20p.m.%20for%206/10/20&utm_term=US%20Daily%20Newsletter%20%5BAFTERNOON%5D

[3] https://news.artnet.com/partner-content/massimo-de-carlo-reopening-in-hong-kong-and-milan?utm_content=from_artnetnews&utm_source=Sailthru&utm_medium=email&utm_campaign=US%20News%20Afternoon%204:30%20p.m.%20for%206/10/20&utm_term=US%20Daily%20Newsletter%20%5BAFTERNOON%5D

[4] http://www.museudapessoa.net/pt/home?gclid=CjwKCAjw26H3BRB2EiwAy32zhUXQEe-aNVF9IY-n2S_hJ3SYzNJPFkFlOyzTX4HVANHnd1kH1ppSTBoCrkcQAvD_BwE

[5] https://www.eravirtual.org/

[6] https://news.artnet.com/art-world/terence-koh-lockdown-lessons-1884609?utm_content=from_artnetnews&utm_source=Sailthru&utm_medium=email&utm_campaign=US%2010%3A10%20a.m.%20newsletter%20for%206%2F16%2F20&utm_term=US%20Daily%20Newsletter%20%5BMORNING%5D

[7] https://news.artnet.com/art-world/art-industry-news-june-15-stories-1887364?utm_content=from_artnetnews&utm_source=Sailthru&utm_medium=email&utm_campaign=US%2010:10%20a.m.%20newsletter%20for%206/16/20&utm_term=US%20Daily%20Newsletter%20%5BMORNING%5D


 

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