Camila Alvarez Djurovic [1]
Em um momento no qual os museus são convocados a reforçar sua presença no ambiente virtual por conta da pandemia de Covid-19, a discussão sobre os acervos digitais vem ganhando cada vez mais urgência e relevância.
No caso das instituições que planejam digitalizar seus acervos físicos ou daquelas que já operam total ou prioritariamente com acervos nato digitais, ferramentas como o Tainacan [2] vêm se consolidando como uma opção viável para a promoção do acesso e para a otimização da gestão e da preservação do patrimônio cultural. Mais do que isso, a visibilidade propiciada pela difusão das coleções por meio dessas tecnologias pode ser um grande passo para a celebração de novas parcerias e para a sustentabilidade econômica das instituições museológicas.
Embora a adoção das ferramentas digitais esteja se mostrando positivamente transformadora para o cumprimento da função social museus, a difusão dos acervos na internet ainda é considerada um grande desafio. O Plano Nacional de Cultura estabelecia que até o ano de 2020 os conteúdos que estivessem em domínio público ou licenciados, bem como os acervos de 70% dos museus fossem oferecidos online (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2013). No entanto, segundo a TIC Cultura 2018 - pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil para investigar o uso das tecnologias de informação e comunicação nos equipamentos culturais brasileiros - apenas 15% das instituições culturais do país haviam disponibilizado seus conteúdos na internet até aquele ano (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2019, p. 24-25).
Esses dados se explicam pelo fato de que a realização desse tipo de projeto ainda está sujeita a uma série de dificuldades enfrentadas historicamente pela maior parte das instituições culturais brasileiras, tais como a ausência de políticas culturais sistemáticas (RUBIM, 2007), o orçamento reduzido, a falta de profissionais de TI, de equipamentos, de assessoramento jurídico etc. A esses obstáculos, somam-se, ainda, as próprias restrições de acesso à internet decorrentes das desigualdades sociais do país. De acordo com a Unesco, as tecnologias digitais trazem grandes possibilidades para os museus, mas, também, “constituem barreiras potenciais para pessoas e museus que não tem acesso a elas, ou o conhecimento e as habilidades para usá-las de forma efetiva” (UNESCO, 2015).
Entretanto, essas barreiras não são necessariamente intransponíveis. Um manual lançado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) busca auxiliar as instituições museológicas interessadas na realização de projetos de acervos digitais. Dentre as principais orientações, estão a realização de diagnósticos que permitam verificar a maturidade digital da organização cultural, um bom planejamento dos custos básicos para a digitalização das coleções e a estruturação de uma Política de Acervos Digitais embasada nas linhas de ação estabelecidas pelo Plano Museológico (IBRAM, 2020).
Para a implementação efetiva dos projetos, que requerem muitas vezes um alto investimento financeiro, é possível condicioná-los total ou parcialmente à captação de recursos via leis de incentivo. Se bem elaboradas e justificadas de acordo com a missão e os valores da instituição, propostas com essa finalidade apresentam boas chances de serem reconhecidas e contempladas por sua relevância para a preservação (segurança das coleções), gestão (controle e padronização dos metadados) e difusão dos acervos (democratização do acesso), além, é claro, do seu eminente potencial científico e educacional.
Uma vez consolidado, o gerenciamento de informações nos repositórios digitais pode ser realizado de forma autônoma pelas equipes do museu, substituindo e aprimorando rotinas anteriores de documentação e salvaguarda. Além disso, a interface pública dos repositórios abre espaço para parceiros externos (instituições congêneres, universidades, empresas etc.) interessados em colaborar com projetos específicos a partir do conteúdo disponibilizado online.
Embora existam etapas fundamentais em comum, a especificidade de cada organização e de cada coleção faz com que não exista um único modelo de projeto para acervo digital a ser seguido. Sendo este um universo relativamente novo e repleto de oportunidades e desafios, a difusão do tema e a troca de experiências entre técnicos, gestores e pesquisadores da área se fazem fundamentais para estimular a adesão dos museus às novas práticas sociais em torno da memória.
* Texto produzido para o curso de Especialização em Museologia, Cultura e Educação, da PUC-SP, como parte do trabalho de conclusão das disciplinas coordenadas pelas professoras Claudinéli Moreira Ramos e Luciana Pasqualucci, no 1° sem/2021.
[1] Historiadora, mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo e pós-graduanda em Museologia, Cultura e Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente colabora com o Núcleo de Museologia da empresa Expomus.
[2] O Tainacan é um projeto open source criado em 2014 a partir de demanda do então Ministério da Cultura, e mantido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Goiás (UFG) e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Tem sido utilizado por cada vez mais museus brasileiros a partir de incentivos do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A ferramenta é voltada a instituições culturais e permite que a catalogação faça uso de diversos vocabulários controlados externos, de maneira que fique adequada tanto aos padrões catalográficos, quanto aos padrões de compartilhamento na web semântica. Com isso, a coleção publicada pode ser articulada a outras bases de dados de museus, bibliotecas e coleções ao redor do mundo. Mais detalhes em https://tainacan.org/.
Referências
- COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. TIC cultura 2018: pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos equipamentos culturais brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2019, p. 24-25. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/1/tic_cultura_2018_livro_eletronico.pdf. Acesso em 09 jun. 2021.
- IBRAM. Instituto Brasileiro de Museus. Acervos digitais nos museus: manual para realização de projetos. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2021/05/Acervos-Digitais-nos-Museus.pdf. Acesso em 02 jun. 2021.
- MINISTÉRIO DA CULTURA. Metas do Plano Nacional de Cultura. 2. ed. Brasília: Ministério da Cultura, jan. 2013. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/conferencias/IIICNCultura/metas-do-plano-nacional-de-cultura.pdf. Acesso em 09 jun. 2021.
- RUBIM, Antonio A. Canelas. Políticas culturais no Brasil: tristes tradições. Revista Galáxia, São Paulo, n. 13, p. 101-113, jun. 2007.
- UNESCO. Recomendação referente à Proteção e Promoção dos Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade. 2015. Disponível em: http://www.icom.org.br/wp-content/uploads/2017/05/RecomendacaoProtecaoMuseuseColecoes.pdf. Acesso em 02 jun. 2021.