Claudio Rafael Almeida de Souza [1]
O trabalho do arte-educador não começa e nem termina com a abertura de uma exposição ou atividade cultural. Cabe a ele planejar seu trabalho e desenvolver materiais antes, durante e depois do encerramento da referida exposição ou atividade cultural, num constante devir, delineado pela avaliação reflexiva de seu trabalho, da observação do público, dos resultados ali obtidos, de forma qualitativa na maioria das vezes. Os sorrisos, as perguntas, a curiosidade e o envolvimento do público durante as ações educativas servem para o constante processo de pensar a mediação cultural, a elaboração de atividades e materiais que permitam, àqueles que ainda não adentraram o universo da arte, seus estudos, suas viagens e entender que o caminho está aberto para todos. Esperamos que as reflexões aqui propostas apontem caminhos para esse pensar dos arte-educadores oriundos deste curso, contribuindo ainda mais para a formação da cultura da arte em nossa educação e país.
A curadora e historiadora da arte de origem húngara, Eszter Lázár, mostra como métodos e programas alternativos modificaram também a instituição museal e a curadoria dentro e fora desta. Segundo a pesquisadora, além de moldar os processos de criação, o educationalturn também diz respeito à (auto) revisão dos museus, transformando-os em plataformas educacionais (LÁZÁR, 2012, s. p.). Com a criação de universidades livres — como as apuradas por Podesva3 — escolas temporárias e experimentais, e a incorporação de instituições como bibliotecas e laboratórios no espaço da galeria, a autora identifica a prática curatorial com uma prática educacional expandida, conceito elaborado pelos teóricos Paul O’Neill e Mick Wilson. Segundo eles:
A curadoria contemporânea está marcada por uma volta à educação. Formatos, métodos, programas, modelos, condições, processos e procedimentos educativos penetraram em ambas práticas curatoriais e artísticas contemporâneas e em seus concomitantes quadros críticos. Não significa simplesmente propor que os projetos de curadoria têm adotado cada vez mais a educação como tema mas, em vez disso, afirmar que a curadoria tem operado cada vez mais no sentido de uma práxis educacional expandida. Historicamente, essas discussões foram periféricas à exposição, operando em um papel secundário em relação à exibição de arte para o consumo do público. Mais recentemente, essas intervenções discursivas tornaram-se centrais para a prática contemporânea; elas agora se tornaram o evento principal. No entanto, essas produções discursivas não são apenas penetrantes; cada vez mais, elas são enquadradas em termos de educação, pesquisa, produção de conhecimento e aprendizado. Além disso, em muitos casos, há um impulso pronunciado para distanciar essas plataformas dos formatos estabelecidos de educação em museus relacionadas a pedagogias da cultura oficial. Isto não é simplesmente uma reintegração do curador como um especialista encarregado de educar um público sobre o conteúdo de uma determinada coleção, mas sim uma espécie de “curatorialização” da educação, em que o processo educativo muitas vezes se torna objeto de produção curatorial (O’NEILL; WILSON, 2010, p.12-13, apud BORBA, 2019).
Ao longo do trabalho verifica-se que no que diz respeito a utilização da conceituação em prol da pedagogia ou educação a possibilidade consensual de que o adjetivo “educativa” diminui em certo passo o trabalho do educador que está em prol da curadoria. Como se a palavra “educativa” no sentido lato estivesse perdendo espaço para curadoria. De modo que, entende-se um maior status em relação ao desempenho da função curatorial; o que possibilita reafirmar o papel secundário a que é muitas vezes delegado à educação. Desta maneira, por mais que se procure uma possibilidade de redistribuição de poderes, nas condições factual acaba-se por tonar diminuta a importância da palavra ‘educação’, que a priori é revisitada como um campo de ação e conhecimento mais amplo que o da curadoria. Com isto posto, passar a existir a questão: “Porque a educação, para ser respeitada, deveria ser “promovida” à curadoria?” (HONORATO in CERVETTO, 2016, p. 166, apud BORBA 2019).
A arte educadora Ana Mae Barbosa exibe uma opinião crítica e enfática sobre a utilização da termologia curadoria educativa, confirmando a ideia de que ele dissimula o aspecto educacional a fim de contribuir para uma educação mais palatável e moldável as preocupações institucionais.
Curadoria Educativa não é propriamente preconceituoso, mas é usado para dissimular o preconceito. É só um meio artificial de tentar conferir a mesma importância da educação à curadoria de obras de arte. Para mim, a importância é a mesma, mas não é assim que a elite que comanda os museus pensa. [...] Curadoria Educativa é mais um artifício para nominalmente esconder que devemos tratar em museus de EDUCAÇÃO. Considero o termo curadoria educativa pedante, revelando falta de coragem de se enfrentar o que importa: EDUCAÇÃO. É patética a tentativa de se aliar a um termo de prestígio nos museus para fazer a EDUCAÇÃO ser engolida goela abaixo pelos, capitalistas. É tentativa de enganação da EDUCAÇÃO (BARBOSA, 2008, p.30-31).
O eixo alegado por Barbosa é sugerido de certo modo por Mônica Hoff, segundo exposição a seguir, no momento em que foi questionada pela curadora da 9ª Bienal do Mercosul — edição na qual ocupava o cargo de curadora pedagógica — Sofía Hernández Chong Cuy, a respeito de quais constituíam os melhoramentos e contrassensos que a curadoria pedagógica poderia proporcionar:
O que estava em jogo era a problemática de que se, idealmente, a curadoria deveria ser concebida e acionada como uma prática educativa, a “curadoria pedagógica” pode tornar inviável este processo, ao apresentar a educação como um lugar segmentado ou apartado — ao nomeá-la como algo específico e colocando-a sob o amparo de um único responsável, que já não é mais o coordenador, senão um curador pedagógico —. Isto não é precisamente uma “virada educativa”, senão um evidente paradoxo. Primeiro porque se, por um lado, a curadoria pedagógica pode significar um interesse curatorial e/ou institucional na educação, por outro, isso não implica que este interesse difere do que se tinha antes. Quer dizer, a curadoria pedagógica pode ser uma nova denominação para uma velha função. Em segundo lugar, porque se a criação desta figura confere e representa um certo respeito pela educação, também ajuda a reforçar a ideia desta como algo específico, impedindo-lhe de ser considerada como um processo inerente a todas as instâncias do desenvolvimento de um processo curatorial e/ou institucional (HOFF in CERVETTO, 2016, p. 161 apud BORBA, 2019).
Na experiência de discorrer com a questão derradeira do artista, explano um excerto do pesquisador Cayo Honorato, que faz provocação para a indigência do que ele intitula de “retroalimentação crítica” entre o público e o educador no decorrer da mediação. Conforme ele “para se ‘desingenualizar’, a mediação deve ser pensada como uma negociação entre interesses diversos, sem nenhum poder conciliatório, e que não se exime de evidenciar seus próprios interesses e contradições” (HONORATO, 2011, p. 134). Em conformidade, Hoff assegura:
Talvez a chave seja pensar que a curadoria pedagógica não tem somente a função de observar aos públicos e para fora da instituição, senão para dentro, para aprofundar seus próprios processos. Sua principal missão, enquanto estratégia de educação, é interna: consiste em “ensinar” à instituição e à curadoria a compreender-se como instâncias educativas por excelência (HOFF in CERVETTO, 2016, p. 161 apud BORBA, 2019).
De tal modo, finalizo com as palavras de Andressa C. Gerlach Borba essa contenda na perspectiva de Mônica Hoff, ao demonstrar que esse procedimento autocrítico é o que compõe, em essência, o conceito de curadoria educativa:
O conceito de curadoria educativa surge com o intuito de privilegiar a educação dentro da ampla rede de agentes do sistema da arte. Porém, esta concepção acaba assumindo um caráter divergente, alavancando ainda mais a — já tão poderosa — curadoria, de modo que essa qualificação que se pretende dar à educação através da adjetivação da curadoria enquanto ‘pedagógica’ ou ‘educativa’, reverte-se à seu desfavor, limitando o campo maior de estudo e propriedade da educação, ao mesmo tempo em que reforça a concepção de que a curadoria de fato a última instância de legitimação e validação (BORBA, 2019).
Conforme (Borba, 2019) existiu, deste modo, uma mudança de desempenhos, buscando borrar e abeirar-se os alcances que originam e constituem as funções de curador e de educador, de tal modo, a utilização do museu de arte na propriedade de recinto criativo e educativo, não apenas de exposição — premissa que adquire entusiasmo nos anos 1970 no Brasil e excitação na década de 1990 por meio do que ficou conhecido como educationalturn, embora tal acontecimento origine-se na região européia e apreenda, de tal maneira, singularidades e exceções em afinidade ao contexto brasileiro, como foi visto anteriormente.
Portanto, compreende-se a utilização do que considera ser “práxis educacional expandida”, na adoção da educação enquanto meio e forma de atuação na/da curadoria, não somente como conteúdo discursivo. Desta maneira, a curadoria educativa aqui trabalha como curadoria pedagógica, em meio aos inúmeros e possíveis significados que vem a assumir, pode ser tomada, portanto, como exercício de auto-reflexão, ao provocar e corroborar com limitações, conflitos e tensões que podem ocorrer na sistematização e funcionamento do cenário da arte atual.
[1] Com formação interdisciplinar, é museólogo baiano formado pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia FFCH/UFBA com habilitação em Museus de História e Museus de Arte. É mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia com ênfase em História e Teoria da Arte. É pós-graduando em Arte-Educação pelo Centro Universitário Senac e em Educação, Cultura e Diversidade pelo Centro Universitário Uniasselvi. Consultor de elaboração e criador de currículo lattes para profissionais das áreas de artes e cultura. Interessa-se nas áreas de artes visuais (fotografia poética e de acervo, fototipia, fitotipia, antotipia, pintura, colagem e desenho), história e teoria da arte, artes decorativas, conservação e restauro, peritagem de obra de arte, curadoria, museologia, museografia, arte-educação e ação cultural e educativa. É pesquisador e curador independente de móveis, objetos e obras de arte, com especialidade em mobiliário, arte sacra, popular e decorativa.
Referências
- BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil: realidade hoje e expetativas futuras. Revista Estudos Avançados. São Paulo, v. 3, n. 7. p. 170-182, 1989.
- _________________. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991.
- GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, jan./mar. 2006.
- BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.
- BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2010.
- BARBOSA, Ana Mae. Educação em museus: termos que revelam preconceitos. in Diálogos entre arte e público, p.28-32, 2008. Disponível em: <https://issuu.com/anpisa/docs/dialogos_entre_arte_e_p_blico_vol01_2008> Acesso em 19/11/2018.
- CERVETTO, Renata [et al]. Agítese antes de usar. Desplazamientos educativos, sociales y artísticos en América Latina. Buenos Aires: MALBA, 2016.
- KUNSCH, Graziela; KELIAN, Lilian L’Abbate (eds.). Revista Urbânia5. São Paulo: 31ª Bienal de São Paulo, 2014.
- HONORATO, Cayo. A Formação do artista: conjunções e disjunções entre a arte e a educação. 2011. 200p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
- HONORATO, Cayo. Expondo a mediação educacional questões sobre educação, arte.