Alexander Wilhelm Armin Kellner [1] 

Conforme mencionado diversas vezes, o incêndio do Museu Nacional/UFRJ, que é o primeiro museu do Brasil e a sua primeira instituição científica, deixou marcas que transcenderam as fronteiras do território nacional. Não apenas o Paço de São Cristóvão, casa da família real portuguesa e da família imperial brasileira (MARTINS ET AL, 2022) sofreu com as chamas do descaso, mas, também, as coleções de história natural e antropologia, construídas ao longo de dois séculos (SEREJO, 2020), foram tremendamente impactadas. Do número total de objetos que faziam parte do acervo, estimados em aproximadamente 20 milhões (dos quais 12 milhões eram insetos), cerca de 85% foram perdidos. Mesmo com o enorme esforço de recuperação de peças que se encontravam nos escombros (RODRIGUES-CARVALHO, 2021), fato é que serão necessárias ações a nível nacional e internacional para que o Museu Nacional possa reconstruir um acervo expositivo de expressão para as suas futuras exposições, tendo sido, para isso, elaborado uma campanha de doação de itens originais [2].

Procurando organizar as ações de reconstrução, que envolvem instituições públicas e privadas, foi instituído, em 2020, o projeto Museu Nacional Vive (GUEDES & KELLNER, 2022). O escopo dessa ação - a mais complexa no âmbito cultural em desenvolvimento no país - não está apenas limitado ao Paço de São Cristóvão (tombado em 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN), mas também atingem pontos específicos no Horto Botânico (localizado no mesmo parque do palácio,) e na implantação do Campus de Pesquisa e Ensino Museu Nacional/UFRJ (CPEMN), situado ao lado do parque da Quinta da Boa Vista. Num esforço de procurar dar transparência máxima para todo esse processo, algo considerado fundamental para atrair novos parceiros, são elaborados relatórios anuais do projeto com atualizações constantes [3]. Tal iniciativa é complementada com os relatórios anuais da instituição, retomados em 2018, que apresentam, sobretudo, as atividades de pesquisa, ensino e extensão do Museu (MUSEU NACIONAL, 2022), que, como diz o slogan inicial, sempre continuou vivo, atuando em ensino, pesquisa e realizando exposições em outros locais (KELLNER, 2022).

As tarefas de reconstrução, apesar dos avanços, não têm sido fáceis. Entre os desafios está, por vezes, lidar com respostas a posicionamento externos inadequados (KELLNER, 2022), dificuldades no desenvolvimento de processos internos (MUSEU NACIONAL, 2022) e falta de apoio nas esferas governamentais (KELLNER, 2023). Mesmo assim, dificuldades têm sido superadas e entregas que incluem ações de doação de acervo, elaboração de projetos (tanto de arquitetura como das novas exposições) e a finalização da reforma da fachada histórica (recentemente aberta à visitação) têm sido realizadas, geralmente concentradas em duas datas: 6 de junho, aniversário da instituição, e 2 de setembro, registro do incêndio.

Com a entrada de um novo governo em 2023, também se renovaram as esperanças em poder dar mais celeridade aos trabalhos de reconstrução. Depois de mais de cinco décadas, no dia 23 de março do corrente ano, o Presidente da República foi inspecionar pessoalmente o andamento das obras (KELLNER, 2023). Os trabalhos de recuperação foram iniciados ainda no final de 2018, quando o Ministério da Educação (MEC) liberou uma verba emergencial para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao qual o Museu está ligado desde 1946, cujo valor chegou a R$ 11 milhões. O MEC também repassou R$ 5 milhões para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), visando auxiliar as atividades ligadas, sobretudo, às novas exposições. Atualmente, o orçamento para a reconstrução atinge cerca de R$ 460 milhões, dos quais ainda faltam a captação de aproximadamente R$ 180 milhões. Não estão incluídos nesses valores a questão do acervo, devido a complexidade dada as diferentes tipologias de objetos, variando de minerais e fósseis para material etnográfico e múmias.

A visita do Presidente da República foi organizada pelo MEC, que esteve no Museu Nacional em 6 de fevereiro de 2023. O último presidente a visitar a instituição foi o General Artur da Costa e Silva durante as festividades do sesquicentenário do Museu. Nunca é demais salientar que, quando em 2018 esta instituição comemorou os seus 200 anos de existência, poucos meses antes do incêndio, nenhuma autoridade do primeiro escalão do governo federal esteve presente, apesar de insistentemente terem sido convidados.

Visita do Presidente da República às obras do Museu Nacional (23/03/2023),  com membros do corpo social da instituição e do Projeto Museu Nacional Vive.Fig. 1 - Visita do Presidente da República às obras do Museu Nacional (23/03/2023),
com membros do corpo social da instituição e do Projeto Museu Nacional Vive.

Como resultado concreto da visita presidencial, ficou estabelecido que a instituição deverá refazer o seu cronograma de obras e procurar entregar o máximo possível do Paço de São Cristóvão para o início de 2026, em condições de visitação pública. Esta importante demanda altera a proposta original do Projeto Museu Nacional Vive, que era a de finalizar a obra de todo palácio em uma etapa única, envolvendo os quatro blocos da edificação e o anexo que se situa na parte lateral norte do palácio. Cumpre esclarecer que a direção do Museu sempre havia optado por abrir a instituição para visitação pública em etapas, e vê essa alteração como preenchendo os seus anseios originais.

Paço de São Cristóvão, com as diferentes fases de reconstrução, destacando parte a ser aberta para o público em 2026. Imagem feita em 2018, logo após o incêndio.Fig. 2 - Paço de São Cristóvão, com as diferentes fases de reconstrução,
destacando parte a ser aberta para o público em 2026. Imagem feita em 2018, logo após o incêndio.

Se a demanda do governo é vista como um excelente incentivo, tendo havido o compromisso da complementação dos recursos para fazer frente às obras de reconstrução, agora existe uma necessidade de readequação do projeto. Como exercício preliminar, está sendo programado a abertura do bloco histórico, que é objeto das obras nas fases 1 e 2 (Fig. 2). Para que essa porção do Paço de São Cristóvão se torne funcional, será necessário também avançar nas obras nos blocos 2 e 3, previstos para serem executados na fase 3. A última fase da reconstrução será voltada para o bloco 4.

Outro ponto que terá que ser enfrentado é a questão das novas exposições. Anteriormente havia a previsão da elaboração nas mostras permanentes de quatro circuitos: histórico, universo e vida, diversidade cultural e ambientes brasileiros, que seriam distribuídos ao longo de 5.500m2 (CAVALCANTI ET AL, 2022). Esta previsão será mantida para quando o Museu estiver totalmente reconstruído e aberto ao público, que incluirá, também, cerca de mil m2 de área para mostras temporárias. A instituição terá que, agora, se debruçar para realizar uma nova exposição, de caráter mais temporário, cuja organização terá que ser efetivada em paralelo com os projetos da mostra definitiva, já que a estimativa é de que em 2026 a área expositiva que poderá ser efetivamente aberta será de pouco mais de 2.000m2. A discussão do que será apresentado ao público nessa data está apenas iniciando. Ademais, haverá que se apressar os esforços na obtenção de acervo expositivo original, que envolvem ações diretamente com museus e particulares do país e do exterior. Talvez entidades como o International Council of Museums (ICOM), já contactado, poderão auxiliar nesse processo.

De qualquer forma o Museu Nacional está sendo pensado para explorar o seu papel transformador e, através de suas exposições, procurar contribuir para os diferentes desafios que a humanidade encontra a sua frente, como aquecimento global, extinções e sustentabilidade. Como já foi mencionado diversas vezes, o Museu Nacional quer ser um museu de História Natural e Antropologia inovador, sustentável e acessível, que promova a valorização do patrimônio científico e cultural e que pelo olhar da ciência, convide à reflexão sobre o mundo que nos cerca, ao mesmo tempo que nos leve a sonhar...


[1] Diretor do Museu Nacional/UFRJ, Doutor em Geociências - Paleontologia/Columbia University, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
[2] Para mais informações acesse https://recompoe.mn.ufrj.br/acervo.
[3] https://museunacionalvive.org.br/


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