Andre Andion Angulo [1]
Provocados pelo tema do ICOM neste ano de 2016 - "Museus e Paisagem Cultural" o Museu da República optou por observar e problematizar os seus arredores. Entre a chancela internacional da Unesco - o Rio de Janeiro foi o primeiro sítio classificado como paisagem cultural urbana da humanidade e o seu circunspecto local de vizinhança, território e territorialidade imediata, propomos algumas atividades imbuídas em um tema com o seguinte recorte:
Paisagens do Poder - à direita e à esquerda do Catete.
Neste contexto, pretendemos identificar pontos de interesse no entorno do Palácio do Catete (que integra o Museu da República) que versem sobre a questão ambiental, a arquitetura, personalidades locais e nacionais, denominações de logradouros e de estabelecimentos que tenham ligação estreita com o palácio e jardim enquanto sede da Presidência da República e do hoje Museu da República.
Esse inventário permitirá a idealização de um roteiro a ser percorrido a pé, tendo como ponto de partida a fachada do Palácio do Catete - olhando-se para esta teremos à esquerda, na direção do bairro da Glória, percorreremos a Praça do Poeta (homenagem a Fernando Pessoa), a Igreja de Nossa Senhora Mãe da Divina Providência (tombada pelo município do Rio de Janeiro) que integra o Colégio Santo Antônio Maria Zaccaria (de uma ordem religiosa italiana do Barnabitas), o CIEP Presidente Tancredo Neves, do outro lado da rua podemos avistar o prédio da antiga CTC e o antigo endereço de Mário de Andrade em seu "exílio" no Rio de Janeiro. Subindo a Ladeira da Glória temos uma jóia do barroco nacional - a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, e descendo a pequena montanha pela ladeira do Russel chegamos a Praia do Flamengo onde contrastamos outras arquiteturas como o art déco do Edífico Milton, e seus vizinhos art noveau e modernista (antigo prédio da manchete, obra de Oscar Niemeyer). Findando esta "esquerda" do palácio com o edifício do Hotel Novo Mundo, na esquina da Rua Silveira Martins, rua esta que abrigou a morada de Carmen Miranda em um de seus vários endereços cariocas (atual Hotel Inglês) passamos pelos fundos do jardim histórico do Museu da República, contrastando tal jardim romântico inglês do século XIX com o jardim modernista do Aterro do Flamengo idealizado por Lotta Macedo Soares e projetado por Afonso Eduardo Reidy e paisagismo de Roberto Burle Marx.
Continuando nosso roteiro teremos a Rua Ferreira Vianna, que abrigou a família de Cartola (e o próprio) trazida de Campos do Goytacazes no norte fluminense pelo então Presidente Nilo Peçanha. Nessa rota, destaque para o Edifício Seabra conhecido como o Dakota carioca (o Dakota original se localiza em Nova York e foi o prédio onde John Lennon foi assassinado). Temos também o terreno da UNE onde será erguido complexo projetado por Oscar Niemeyer e nosso limite será o Castelinho do Flamengo, que sedia o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho. Adentrando a Rua Dois de Dezembro (data de aniversário de Pedro II) temos como destaque a antiga garagem de bondes que sedia atualmente o IAB - Instituto dos Arquitetos do Brasil. Ao seu lado temos o Instituto Oi Futuro, que no passado era uma central de telefonia desta região do Rio de Janeiro e que abrigou o saudoso Museu do Telephone. Chegamos ao Largo do Machado (que não é por conta de Machado de Assis!) e neste sítio temos a Igreja de Nossa Senhora da Glória (não confundir com a do Outeiro!), e o Colégio Amaro Cavalcanti, construído entre 1870 e 1877 e uma das "Oito Escolas do Imperador" - Tais prédios ganharam esse “título” pois foram edificados a mando do imperador Pedro II, após esse recusar a construção de uma estátua em sua homenagem para comemorar a vitória brasileira na guerra contra o Paraguai (1864-1870). Continuamos pela Rua Bento Lisboa e encontramos o casarão tombado em 2005 que abrigava a Clínica São Sebastião onde Chico Buarque de Hollanda e este que vos escreve nasceram (apesar dos olhos e talentos completamente diferentes).
Percorrer-se-á no retorno para o Palácio do Catete a Rua Artur Bernardes (presidente que governou do Catete na República Velha com mão de ferro), onde adentramos de novo a Rua do Catete percebendo o prédio que juntou várias organizações estudantis (UNE, AMES, UBES), o restaurante que abrigou o cinema Azteca, destaque para o nome de alguns estabelecimentos como o restaurante "Palácio", o ponto de Táxi "República" dentre outros diversos que guardam sintonia com paisagens do presente e pretéritas. Outro destaque é o casario tombado pelo IPHAN no lado par da Rua do Catete, nas proximidades do Museu da República.
Nesta Semana Nacional de Museus de 2016 pretendemos formatar este roteiro para que se fixe de forma permanente em atividades educativas e culturais do Museu da República, assim como a montagem de uma exposição temporária a ser fixada na aleia das palmeiras do jardim histórico da instituição focando alguns pontos de interesse deste roteiro e sensibilizando os usuários do museu em percorrer o mesmo. Um debate também é vislumbrado para que possamos discutir as transformações urbanas e o quê estas ocasionaram na dinâmica cultural e social e influenciaram para o estabelecimento da paisagem atual do Catete.
Mais do que problematizar a esquerda e a direita no espectro político do passado, do presente e do futuro, que poderíamos concluir que as atuais relações humanas e de poder não cabem nesta ambivalência quase barroca de esquerda e direita, convidamos a tod@s a percorrer a paisagem cultural do Catete, mas começando pela esquerda, sempre!
[1] Museólogo do Museu da República, mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal Fluminense e profissional de turismo receptivo com formação avançada no Programa Doutoral em Turismo da Universidade de Aveiro (Portugal).