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Marco Antonio Xavier [1]

Toda uma história da importância do café na economia do país e seus reflexos na sociedade, durante o século XIX, pode ser traçada pela paisagem onde está inserido o Museu Casa da Hera.

Partimos do pressuposto que não olhamos a Natureza da mesma forma como um animal a olha.

Um animal observa o conjunto, quase que indistintamente, mas foca a atenção naquilo que lhe afeta diretamente, como uma determinada árvore frutífera, um riacho e a direção que a água nele corre e, mais profundamente, em outros animais, seus potenciais predadores e suas possíveis presas.

O ser humano ao olhar a Natureza evoca também aspectos importantes para sua sobrevivência, mas também – e aqui está a diferenciação – nas associações de memória com questões culturais, estéticas, de estrutura social, históricas, etc.

A Casa da Hera pertenceu à família de Joaquim José Teixeira Leite, rico e influente comissário de café do Vale do Paraíba Fluminense. A edificação existia desde antes de 1836, quando aparece representada num mapa da então vila de Vassouras, mas passou a ser habitada por Joaquim José e sua esposa, Ana Esméria, em 1843.

A visão que os moradores da Casa da Hera tinham da cidade de Vassouras, particularmente da Matriz Nossa Senhora da Conceição e da Praça Barão de Campo Belo, e desta para a Casa foi modificando com o tempo.

A representação de poder, econômico e político, que derivava desta visão, com a Casa no alto de ligeira colina, observando a cidade, como que a controlando, deve ter começado a mudar com a morte, em 1871, de Ana Esméria, esposa de Joaquim José e do próprio em 1872. As duas filhas solteiras e únicas herdeiras partem para Paris já em 1873, longe dos interesses casadoiros dos primos. As edificações e a chácara ficam aos cuidados de caseiros, que as mantém e conservam, mas sem residentes fixos até o final da década de 1920. A Casa foi como que se escondendo por detrás da hera plantada, a partir de 1887, pelo caseiro e escravo alforriado Manoel da Silva Rebello.

A hera agora denominava, no imaginário popular, a moradia dos Teixeira Leite, enquanto outros imóveis ficaram conhecidos pelos nomes e/ou títulos de seus ilustres e poderosos moradores ou proprietários.

A Casa da Hera praticamente desapareceu por trás da mata que envolve a Chácara.

A paisagem do entorno da Casa teve aquela visão ocultada com o crescimento de uma mata “nativa”, com árvores de grandes copas. Este crescimento deve ter sido lento, intercalado por derrubadas e replantios. Porém, esta “ocultação” não foi planejada, mas decorrente de modificações nas relações econômicas e sociais que a ausência de seus moradores acarretou. Não havia mais ninguém para ver e ser visto.

Apesar disso, um dos marcos mais permanentes na paisagem ainda baliza a posição da Casa da Hera: são as palmeiras imperiais, símbolos de status e de poder, como o próprio nome diz, no período imperial (figura 1).

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Figura 1 - Aonde está o Museu? Reparem nas palmeiras ao fundo e à direita.

Por sua grande altura – principal característica destas árvores –, com tronco retilíneo e sem galhos e pela copa pequena, mas de folhas largas, estas palmeiras foram associadas ao longo do tempo com os títulos de nobreza e com a oligarquia que domina(va) o país.

Cabe lembrar que a história das palmeiras imperiais no Brasil é semelhante a do café. Não são espécies nativas e foram “contrabandeadas” para o nosso território. Ambas se tornaram símbolos da opulência e riqueza de um país agrário, escravagista e com concentração de terras.

Mas mesmo as palmeiras imperiais, enquanto símbolos, tiveram seus espaços de representação de poder confrontados com a realidade atual.

Ao procurar imagens do Museu Casa da Hera na internet, quase sempre o que encontramos são fotos tomadas por visitantes da lateral noroeste, com as janelas sendo emolduradas pela hera que recobre a fachada (figura 2) e, ao fundo, aparece uma elevação, chamada de Morro da Vaca; duas palmeiras imperiais se destacam nestas imagens, mas atualmente contrastam com as estruturas de antenas de telecomunicação, instaladas no cimo do morro.

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Figura 2 - Chegando ao Museu...

A forma como interpretamos uma paisagem é essencialmente o resultado de um processo histórico-cultural. Temos de entender que ela sofre modificações, seja pela atuação do ser humano ou por conta de fenômenos naturais (ou a soma destes fatores), mas é a partir de nossas memórias que interpretamos uma situação, delimitamos os espaços e compreendemos um determinado local como uma paisagem.

Ao olhar uma imagem, com ou sem as antenas, estamos valorando e comparando com nossas percepções anteriores. Daí, apesar de considerar que a presença daquelas antenas enfeia o conjunto, talvez porque esperamos uma imagem limpa e “antiga” por se tratar de um museu, entendo que elas, como tudo, tem seu momento e lugar.

As palmeiras podem ser atingidas por raios e morrerem, mas outras serão plantadas, ocupando seus lugares. As antenas, por sua vez, serão substituídas por sistemas de transmissão mais poderosos e compactos; e assim, ao longo de alguns anos, aquela paisagem tomará outra configuração. Mas, se estas alterações e modificações forem documentadas, não perderemos as histórias associadas àquele espaço.

E quando perguntado onde fica o Museu Casa da Hera, um cidadão poderá informar: Ali, no alto da colina, aonde se vê as palmeiras.

[1] Diretor do Museu Casa da Hera (IBRAM/MinC).
Mestre em História Social (FFLCH/USP).
Especialista em Museologia (CEMMAE/USP).

 

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