Ana Maria da Costa Leitão Vieira [1]
A atual situação política do Brasil tem tomado conta de minhas preocupações. Vivemos uma crise que impacta todas as relações sociais. Como museóloga militante, acompanho apreensiva,aos ataques que os museus tem sido vítimas.
Desde o início de minha carreira profissional tenho participado de forma ativa dos movimentos sociais da área da cultura. No tempo de estudante, nos anos 70, o país estava em plena ditadura militar iniciada com o golpe de 64.
Remeto-me inexoravelmente àqueles tempos.
Dada a pluralidade de seu objeto de estudo, as atividades dos museus são multidisciplinares. Sejam de arte ou de ciências, todos são lugares de estudo e de preservação da história e da memória social e coletiva.
A seleção de seus acervos reflete a história das mentalidades de segmentos da sociedade em cada época. Não há neutralidade na seleção desses objetos/testemunhos como também a historiografia não é neutra. A História e os museus não estão isentos de versões, conflitos de narrativas e de disputas de poder. Por esse motivo o museu deve ser sobretudo um lugar de crítica histórica.
Originariamente os museus eram produtos de poder da elite e dos “vitoriosos”.
Muito se caminhou no sentido da musealização da história de grupos sociais até então invisíveis.
No Brasil caminhamos muito pouco no sentido da libertação da mentalidade da chamada casa grande e senzala, do patrão e empregado. O capitalismo exacerbou o valor de consumismo, da competição e da propriedade privada. É assustador ver como se naturalizaram verdadeiras aberrações e preconceitos sociais.
Os museus são por definiçãoinstituições publicas de função social.
No século XXI os museus são instrumentos poderosos de defesa das liberdades individuais, respeito às diferenças e dos direitos humanos.
No século XXI a arte, acritica histórica, a filosofia e a política terão papel predominante nos museus.
O ICOM discute novos conceitos de museu e o tema para a Conferência Geral deste ano será - Os museus plataformas culturais: o futuro da tradição.
As crises são um terreno fértil para a criatividade. Dialeticamente estamos falando de revisão, reconhecimento, atualização e renovação.Novos valores, novos embates, novos arranjos. Novas seleções de acervo e de coleções. As novas mídias, as novas formas de registros de som,de imagens e de vídeos como as técnicas de realidade virtual facilitarão a leitura e interpretações da realidade.
Nos museus do século XXI a erudição, o flanar e a mera curiosidade cederão lugar ao desconforto do desentendimento. Nestes momentos é fundamental recorrermos á História para analisar, refletir e entender as diferenças, os erros e os acertos, a evolução e o retrocesso.
Muitos países contam em seus museus história revolucionárias, de conquistas e de guerras, de injustiças e de conflitosque mudaram o destino da sociedade.
Um mundo melhor mais justo com respeito aos direitos humanos me parece urgente nesse nosso período de crise.
Conhecer a História é condição para prever as consequênciasde nossos atos hoje. Saber, ter consciência econhecimento na direção de um mundo mais justo e digno para todos.
Para que servem os museus? Hoje mais do que nunca eles podem ser instrumentos de conscientização. Para isso é preciso que se tenha uma politica museológica de coleta de acervo junto e não para a sociedade.
Nunca realizei tanto como agora que os museus no Brasil devem ser deselitizados. É preciso reconhecerque nos últimos tempos foram criados novos museus comunitários com grande participação popular.
No texto sobre a Missão institucional do Museu Reina Sofia, Madrid - Espanha fala-se em construção em comum. “Por otra parte, es primordial dejar de lado lasnocionesconvencionales y apriorísticas de legitimidad, nadiepuedearrogarsemayorlegitimidad que elotro, así como el uso de la cultura para justificar fines ajenos a eseprocesoabierto de construcción de locomún. Quienesconformanel panorama cultural son, por un lado, los grandes actores de laindustria de la cultura y de lacomunicación y, por otro, el magma difuso de losproductores que actúan desde lasubordinación de susingularidadcreativa, yaseavendiendosucapacidad de creación, o siendoexpropiados de ella. Además nos hallamosinmersosen una profunda crisisdel sistema de la que elmuseo no es ajeno”. https://www.museoreinasofia.es/museo/mision
Portugal inaugura o Memorial da Ditadura 45 anos depois da revolução dos cravos.
Cada edição do relatório de previsão anual da American Alliance ofMuseums- AAM explora cinco tendências emergentes, como elas estão acontecendo no mundo, o que isso significa para a sociedade e para os museus, como os museus estão envolvidos com essas questões e como os museus podem responder.
O TrendsWatch 2019 (Prognósticos sobre tendência dos Museus em 2019) examina a verdade e a confiança, a cadeia de blocos, a descolonização, a falta de moradia e a insegurança habitacional e o autocuidado.
https://www.aam-us.org/2019/03/19/trendswatch-2019-executive-summary/
Hoje, como nos anos 60 em plena ditadura militar, paradoxalmente vivemos um momento bonito de manifestações culturais. Há uma emergente vida cultural nas periferias das grandes cidades onde proliferam grupos de música, rap, poesia, artes plásticas e movimentos de mulheres.
As ideologias afetam a todos nós. E os museus, não tem nada a ver com isso?
As politicas públicas no Brasil estão em franco retrocesso.
As manifestações culturais e a arte sobretudo são as armas das revoluções pacíficas. Os museus no século XXI serão lugares de afirmação da vida em um mundo mais justo, mais solidário e melhor.
[1] Museóloga, RG. COREM Nº 110 II
Entre em contato conosco!
Envie seus comentários, críticas e elogios sobre esse artigo para o email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. .