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Denise Studart [i]

O tema comemorativo do Dia Internacional dos Museus de 2019 - Museus como núcleos culturais: o futuro da tradição - traz à tona duas ideias básicas relacionadas a essas instituições: museus como “guardiões de uma tradição” e museus como “núcleos culturais”.

Na noção de tradição encontramos aquelas funções básicas dos museus, voltadas para a conservação de coleções, a documentação, a pesquisa histórica e específica, a comunicação, a educação, visando servir à sociedade e ao seu desenvolvimento. Mas o conceito de museu se ampliou consideravelmente no século XX e colocou foco principalmente na sua função social. Do “museu tradicional” (edifício + coleção + público) ao “museu comunitário” / “ecomuseu” (território + patrimônio + comunidade), os museus continuam se transformando em diversas direções e dialogando com a tradição.Para a Museologia Social, “o acervo de um museu é composto pelos problemas e questões da comunidade que lhe dá vida” [1], sendo esta concepção de acervo bem diferente daquela baseada na ideia de objetos e coleções. O campo museológico é portanto um campo dialético, com visões em constante movimento e embate.

A noção de “núcleo cultural” abarca uma diversidade de possibilidades: local de aprendizagem e desenvolvimento;espaço acolhedor, dedemocratização do acesso e de popularização do conhecimento;lugar que incentiva talentos, onde o indivíduo se sente pertencente a uma comunidade; espaço voltado para criação de novos projetos... Os museus de hoje transitam fortemente entre vários desses aspectos, podendo ser considerados, por isso, pólos de fomento e irradiação cultural.

A Unesco, em sua Recomendação referente à Proteção e Promoção dos Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade, de 2015, cita, entre as missões dos museus, em particular a sua contribuição à “ampla difusão da cultura” e à “educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz”; bem como “oportunidades plenas e iguais de educação para todos” e “o livre intercâmbio de ideias e conhecimentos”. Todos esses valores são altamente relevantes, principalmente diante dos desafios do mundo contemporâneo e em momentos de retrocessos democráticos. O documento também coloca que “a preservação, o estudo e a transmissão do patrimônio cultural e natural, tangível e intangível” são de grande importância para as sociedades, e muito valorosos “para o diálogo intercultural entre os povos, para a coesão social e para o desenvolvimento sustentável”, enfatizando o papel político dos museus. Afirma ainda que museus e coleções contribuem para o aprimoramento dos direitos humanos. E menciona a oferta de “lazer cultural” e o “estímulo à criatividade”, que favorecem o bem-estar emocional de cidadãos em todo o mundo. [2] 

Ao longo dos séculos, desde o “Mouseion” de Alexandria [3], no século II antes de Cristo, a ideia de museu foi sendo reinventada e revisitada diversas vezes, e continua se transformando, acompanhando os passos da humanidade e se relacionando com as realidades locais. Hoje os museus englobam infinitas possibilidades de ação, até onde a imaginação museal possa chegar: de zeladores do patrimônio a lugar de diálogo e escuta; de local de pesquisa a espaços de interatividade e também de participação social, inclusão e exercício da cidadania, trabalhando com diversos públicos e/ou com a comunidade na qual está inserido.

Nessa perspectiva, os museus dialogam o tempo todo com a sua própria gênese, buscando novas formas de se inserir e interagir nos contextos sociais e históricos a que pertencem. O conceito de museu nos dias atuais é amplo o bastante para englobar diversas vertentes, que se influenciam mutuamente.

Recentemente, me deparei com dois projetos brasileiros que me chamaram a atenção. Ações museais que buscam uma maior participação social, numa perspectiva dialógica entre tradição museal e novas formas de atuação. Um deles realizado no Rio de Janeiro e o outro no Ceará, citados aqui a título de exemplo.

i) “Encontro de Curadoria de Exposições com Participação Social”
Esse evento foi fruto de uma parceria da Fiocruz, por meio do Museu da Vida e da Coordenação de Cooperação Social, com o Museu da Maré e outros atores sociais dos territórios de Maré e Manguinhos (considerando a malha urbana do Rio de Janeiro, o campus da Fiocruz está inserido dentro de um complexo de favelas, na Zona Norte da cidade). A pergunta que norteou a concepção do evento foi a seguinte: “como produzir exposições de forma mais dialógica, assegurando a participação social em todas as etapas de seu desenvolvimento?”. O encontro teve o objetivo de conhecer experiências culturais participativas realizadas por movimentos sociais das comunidades vizinhas à Fiocruz, visando, coletivamente, construir caminhos para que a curadoria com participação social possa se transformar em uma rotina no Museu da Vida. A proposta é encaminhar ações coletivas que, na prática, ampliem os canais de escuta e participação social na curadoria de exposições. A formação de uma rede de comunicação está entre os produtos esperados. [4] 

ii) “Inventários participativos e musealização do patrimônio cultural em comunidades indígenas”
Esta ação faz parte do “Projeto Historiando”, construído em conjunto com organizações de grupos indígenas locais no interior do Ceará, contando com 14 etnônimos em mais de vinte comunidades diferenciadas. Os autores apontam para o “esquecimento dos povos indígenas no espaço museal”, que está intimamente relacionado com a sua negação política - a negação dos indígenas como protagonistas da história. Como bem assinalam os coordenadores do projeto, “a luta dos grupos indígenas contemporâneos traz em seu bojo a construção das representações sobre si e seu processo de organização.[...] Os museus, por sua vez, constituem-se em elementos de afirmação dessa etnicidade e lócus educativo por excelência, por serem espaços formativos e interativos para as diversas gerações, lugar que potencializa o poder da memória.” [5] 

A partir das várias ideias expostas acima, verificamos que a museologia e os museus estão ativos, buscando aproximar-se cada vez mais da vida das comunidades e da sociedade como um todo.Também percebe-se que há um campo fértil para o diálogo entre a tradição e as novas demandas sociais, abrindo espaço para revisões de percurso, bem como para a invenção de novos caminhos.

 


[i] Museu da Vida / COC / Fiocruz.

Referências bibliográficas

[1] CHAGAS, Mario S. e PIRES, Vladimir S. (2018).“Abertura: Território, Museus e Sociedade”. Território, Museus e Sociedade: práticas, poéticas e políticas na contemporaneidade. Rio de Janeiro : UNIRIO; Brasília : Instituto Brasileiro de Museus. p.13.

[2] UNESCO (2015).Recomendação referente à “Proteção e Promoção dos Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade”. Aprovada em 17 de Novembro de 2015 pela Conferência Geral da UNESCO em sua 38a. Sessão.

[3] MUSEUS E MUSEOLOGIA.“Mouseion: Museus em Foco”. Jul 13, 2016. Acesso em 02/05/2019. https://medium.com/museus-e-museologia/no-come%C3%A7o-havia-mouseion-9491b931c480

[4] MUSEU DA VIDA (site). Notícias: “2º Encontro de Curadoria com Participação Social acontece nos dias 12 e 13 de abril”. Publicado em 02/04/2019. http://www.museudavida.fiocruz.br/index.php/noticias/1162-2-encontro-de-curadoria-com-participacao-social-acontece-nos-dias-12-e-13-de-abril

[5] GOMES, Alexandre; VIEIRA NETO, João Paulo (2018). “Projeto Historiando, Inventários participativos e musealização do patrimônio cultural em comunidades indígenas no Ceará”. Revista MUSAS – Revista Brasileira de Museus e Museologia, n.8, 2018. Brasília: Instituto Brasileiro de Museus. p. 72 a 96.


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