Fernanda Miranda de Vasconcellos Motta [1]
Os museus preservam patrimônios e memórias, inspirando as pessoas a refletir sobre o mundo em que vivem. Em uma relação dialógica, espaços e acervos museais acionam a imaginação coletiva e se abrem para a construção de narrativas poéticas.Chagas (2017) propõe a equação-tema “Museu (Memória + Criatividade) = Mudança social”. Para ele, há conexões entre arte e ciência, poética e política, memória e criatividade, que estimulama emergência de uma museologia “indisciplinada”. A imaginação museal, como define oautor (2017), faz com que a ação museal esteja ancorada em espaços que envolvem objetos, sujeitos e múltiplas possibilidades de relação.
No contexto brasileiro, os projetosmuseológico e museográficode Lina Bo Bardi para o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP – simbolizam essa potência de transformação cultural. Lina, em conjunto com seu marido Pietro Maria Bardi, concebeu o museu como centro cultural dinâmico earenade interlocução com o cidadão e o espaço urbano. Canas (2010) argumenta que o interesse fundamental da arquiteta foi planejar o MASP sob a perspectiva de sua operatividade, configurando-se como laboratório vivo, com diversas frentes de ação cultural. Pintado (2018) complementa, mencionando que, mais do que encaixara lógica modernista estrangeira àrealidade brasileira, Bardi criou estratégias para a construção de uma identidade cultural autônoma. Interessava a ela o museu como plano para a ação política e social, campo para a expressão da memória coletiva e para a construção de poéticas capazes de desvelara alma das coisas.Como inspiração, ela considerou a proposição de Le Corbustier de que os centros das cidades deveriam ser transformados por meio da criação de pontos estratégicos que contribuíssem para ativar o sentido de coletividade (CANAS, 2010).
O MASP foi laboratório criativo para a própria Lina Bo Bardi que,exercitando sua imaginação em relação às formas de extroversão e fruição do acervo, desenvolveu “cavaletes de cristal”,dispositivos expográficos que materializam uma poética de imagens, conforme design expositivo que rompe com as noções lineares de tempo e espaço e insere o público no mundo da arte. A transparência dos cavaletes faz emergir um “mar de pinturas”, em ambiente amplo, fluido, flutuante (AGUIAR, 2015). As obras se sobrepõem e se relacionam umas com as outras, levando à criação de novas histórias e percursos que se definem com base nas percepções dos visitantes, e não de uma curadoria impositiva,cartesiana. A expografia pensada por Lina gera desdobramentos poéticos, levando o público a flanar pelo espaço expositivo, a circular as obras e criar elos imaginários entre elas. Essas escolhas quanto à montagem da Pinacoteca são coerentes com a proposta curatorial do MASP, de “oferecer ao público um espaço libertário, transgressor, antiaurático, onde o tempo não é cronológico e, sim, vivencial” (CANAS, 2010, p. 77).
FIGURA 1 – Lina Bo Bardi e o protótipo do cavalete de cristal.
Fonte:www.arteref.com
Traçando uma ponte entre a inauguração do MASP da Avenida Paulista, no fim da década de 60, e os tempos atuais, percebe-se que sua proposta de ser núcleo vivo da cultura permanece, integrando-se às mudanças sociais e tecnológicas. Os museus vêm desconstruindo o modelo autoritário que pressupõe controle sobre o que as pessoas vêem, aprendem e como aprendem. Eles estão agora por todo lado, imaginados em desenhos, blocos de anotações, protótipos e maquetes, em criações compartilhadas na web. Entrecruzam incontáveis linhas de imaginação.O MASP, ao expandir para o ambiente virtual, vem preservando essa germinação afetiva que permite à comunidade criarconexões emocionais com lugares, coisas e ideias. Ao atingir a marca de 300 mil seguidores no Instagram, consolidando-se como o museu brasileiro com maior engajamento nesta rede social [2], ele reforça aestratégia de valorização do protagonismo dos sujeitos, em sua relação com objetos e espaços museais. A maior parte da geração de conteúdo no instagram do museu consiste em reposts de imagens e criações feitas pela comunidade online, devidamente sinalizadas com hashtags que as vinculam ao museu.O resultado são composições visuais que podem ser lidas como derivações poéticas das imagens flutuantes propostas por Lina Bo Bardi. Assim, o espaço virtual do MASP, mais do que informar sobre o museu e seu acervo, dá vazão auma miríade de olhares e percepções das pessoas sobre eles, transforma-se em terreno fértil para a reunião de narrativas poéticas diversas.
FIGURA 2 – Releituras do acervo do MASP, na perspectiva do público.
Fonte: instagram @masp
Como conclusão, recorre-se ao pensamento de Simon (2016), para quem a principal questão posta aos museus, na atualidade, diz respeito à suarelevância para a comunidade.O desafio não está na novidade, e sim no esforço requerido para propor conexões relevantes. A autora afirma que essa relevância é construída quando os museus aprendem sobre pessoas e se conectam com elas, a partir da perspectiva destas, instaurando possibilidades de construção de sentido para as vivências compartilhadas.
[1] Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Gestão e Organização do Conhecimento PPG-GOC/ECI/UFMG, bolsista de pós-graduação da FAPEMIG.
[2] O MASP divulgou, em 05/05/2019, em sua página no instragram @masp, que atingiu a marca de 300.000 seguidores, tornando-se o maior instagram de museu no Brasil em número de seguidores, curtidas, comentários, engajamentos.
Bibliografia Consultada
- AGUIAR, Amanda R. Dafoe de. Lina Bo Bardi e a atualidade do cavalete de cristal. Dissertação de mestrado da Faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2015.
- ARTEREF Referência e notícia em arte contemporânea. Disponível em: http://www.arteref.com Acesso em: 10/05/2019.
- CANAS, Adriano Tomitão. MASP: Museu Laboratório. Projeto de Museu para a cidade 1947 -1957. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2010.
- CHAGAS, Mário. Museu, memória, criatividade e mudança social. In: GOBIRA, Pablo et al (Orgs). Refletindo sobre a cultura. Política cultural, memória e universidade. Publicação do Programa Institucional de Extensão em Direitos à Produção e ao Acesso à Arte e à Cultura, Belo Horizonte: EdUEMG, 2017.
- PINTADO, Ricardo. A imaginação museal de Lina Bo Bardi: expografia (1947-1968). Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. Rio Grande do Sul, 2018.
- SIMON, Nina. The art of relevance. Califórnia, 2016. Disponível em: http://www.artofrelevance.org. Acesso em 12/05/2019.
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