Antonio Grassi [1]
Quando ouço as pessoas falando que a pandemia de Covid-19 forçou as instituições culturais a se reinventarem, sinto, em alguns momentos, que a afirmação soa como se a situação tenha sido apenas positiva, o que é um risco enorme. Os “benefícios” que possam ter vindo da pandemia para as instituições foram muito mais da forma “manual de sobrevivência” do que propriamente vantagens. O ponto é: não podemos romantizar a questão. Por exemplo, não se pode negar que o período da ditadura estimulou inspirações para a produção artística, mas de forma nenhuma sepode dizer que tenha sido positivo para o país.
Antonio Grassi, diretor-presidente do Instituto Inhotim, MG
Como acontece em toda situação de contradição em que a gente se vê afundado, somos obrigados a procurar soluções. A grande questão, neste momento, é saber como se faz para achar esse manual de sobrevivência.
Ao longo do último ano, as instituições culturais se viram obrigadas e descobrir formatos que já vinham utilizando, mas pouco valorizavam. O desafio de entidades como o Instituto Inhotim, além de outros museus, teatros e cinemas, é descobrir de que maneira podemos nos manter abertos mesmo estando fechados. Uma saída tem sido investir em programação cultural e visitas em formatos digitais. A impossibilidade de estabelecermos interações presenciais com os visitantes nos faz pensar de que maneiras essas visitas podem ser instigantes e em como fazer essas conexões. É claro que essas novas formas de interação não substituem as relações presencias. Mas são maneiras válidas que permitem outras formas de imaginar o mundo.
Outro ponto é que nós, enquanto centro de arte, nos vimos na obrigação solidária de amparar artistas que foram totalmente impedidos de trabalhar em virtude do cenário. É uma responsabilidade, um compromisso com a produção artística contribuir para sua sobrevivência de maneira geral, buscando alternativas para manter essa rede.
Na esfera governamental, a Lei Aldir Blanc também é um instrumentoque vem nesse caminho. É fundamental que haja mecanismos de fazer com que elapersevere, até porque artistas continuam sobrevivendo nesta quarentena graças a essa produção cultural, cujo estímulo é papel do Estado também.
Hoje em dia, as pessoas valorizam cada vez mais a produção cultural porque dependem dela – sejam os artistas, seja o público –,e a quarentena mostrou isso. Ao mesmo tempo, precisam ter ciência de que a produção cultural não vai sobreviver se não tiver alguma forma de fomento.
O sentimento que me bate às vezes é de que as pessoas consomem essa produção cultural 24 horas por dia,mas incrivelmente não têm muita consciência de que essa produção cultural depende delas para sobreviver.
A área da Cultura foi a primeira a entrar em quarentena e será a última a sair, por isso temos que continuar trabalhando para que, quando isso tudo passar, o setor volte até mais revigorado para ter as possibilidades presenciais de que precisamos.
Certamente é muito difícil falar sobre o contexto em que vivemos sem mencionar a situação política instável em que o país se encontra – resistente ao reconhecimento da arte e da cultura como ferramentas de transformação social –, nos colocando no que avalio como uma “dupla pandemia”.
Historicamente enfrentamos situações de desespero sabendo que algo lá na frente vai mudar.Hoje a situação está tão catastrófica que estamos inseguros, nos questionando até mesmo se realmente alguma coisa vai mudar. O que temos que fazer é nos fortalecer e, novamente friso, sem romantizar o contexto com base no nosso histórico de resiliência.
[1] diretor-presidente do Instituto Inhotim.
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