Adler Homero Fonseca de Castro [1]
Esse ano a Revista Museu, como parte das comemorações do dia internacional de museus apresenta um volume temático, com duas principais linhas relacionadas ao momento crítico em que vivemos. Seguindo o tópico apontado pelo ICOM, O futuro dos Museus: Recuperar e Reimaginar, propomos uma variante, pensar no renascimento e crescimento dos museus no contexto atual.
Nestes 14 meses que estamos vivendo em uma situação de pandemia, várias lições puderam ser aprendidas, uma das mais marcantes é que o modelo tradicional, de visitação presencial aos museus pode apresentar problemas graves, inclusive financeiros. Em outubro de 2020, a American Alliance of Museums (Aliança norte americana de museus) realizou uma pesquisa sobre a situação dos museus dos Estados Unidos (EUA), com a participação de 850 entidades, incluindo desde aquários até os tradicionais mu-seus/casas históricas, estes últimos correspondendo a cerca de 40% dos participantes na pesquisa. [2]
A situação nos EUA é bem diferente da do Brasil – apesar de 98% dos museus de lá terem fechado temporariamente por causa da pandemia, já em outubro uma importante parcela, 71%, tinha retornado as atividades, com uma queda da visitação média de dois terços com relação ao normal. Também ocorrera uma mudança no perfil dos visitantes, para moradores locais e para uma faixa etária mais baixa. Mais da metade dos museus tenha dado licença ou demitido parcialmente seu pessoal, afetando principalmente a área educativa dos museus. 29% dos diretores de museu pesquisados tinha receio sobre a continuidade da existência de suas instituições.
O problema dos museus nos Estados Unidos se tornou tão grave que a Associação de Diretores de Museus de Arte dos Estados Unidos autorizou que seus membros vendessem peças do acervo, como uma forma de obter recursos para a manutenção de suas entidades. Isso mostra uma situação que pode ser vista como calamitosa, mas que não parece ter uma equivalência no Brasil, pois a cultura dos países é muito diferente: um articulista norte-americano chegou a considerar que a venda de acervos seria positiva, pois “abriria uma pequena brecha no cartel que mantém um grande número de obras de arte fora das vistas, dificulta a flexibilidade de instituições de longa história em desenvolver novas estratégias e limita a disponibilidade de arte para iniciantes” [3], algo que julgamos que seria difícil de defender no Brasil.
Mesmo assim, a museologia brasileira sofreu muito com a pandemia, não nos termos do que ocorreu nos EUA, mas pela não execução de projetos de interesse social. Poderíamos pensar que isso é um problema menor, pelo menos no âmbito dos museus públicos: não houve demissões em massa, as instituições não fecharam de forma definitiva e não houve a proposta de venda de acervos para as sustentar. Contudo, na melhor das hipóteses, elas deixaram de cumprir plenamente sua função social, o que é parte de sua razão de ser – não podemos pensar nas instituições museológicas apenas como repositórios de peças, seu papel vai muito além disso, não devendo se restringir à preservação do acervo, mas a sua promoção e difusão.
Uma forma de solucionar o problema é evidente e de certa forma óbvia. O próprio pôster do ICOM para o dia internacional de Museus, que mostra uma pessoa usando o que pode ser entendido como um óculos de realidade virtual aponta o caminho, o da digitalização de acervos e exposições e sua colocação em um “mundo virtual”.
Cartaz do ICOM para o Dia Internacional de Museus
Entretanto, a execução dessa proposta é mais complicada do que parece: ao longo do período em que estivemos em pandemia, diversos museus elaboraram atividades a distância, como exposições on line; visitas guiadas; vídeos curtos, como os do tik-tok; tours interativos; lives; aulas a distância e semelhantes. Entretanto, não se pode dizer que as atividades feitas tenham sido um sucesso total: em nenhum caso que o autor dessas linhas conhece houve uma recuperação significativa do número de visitantes perdidos durante a pandemia, o que seria de se esperar. Mais importante, não se observou uma tentativa mais séria de se adequar o novo meio a uma proposta museológica, o que parece ser possível. As exposições e aulas e outras atividades do tipo seguem o padrão tradicional, sobre a qual já há um bom domínio por parte dos profissionais de museu ou de outras áreas, como do cinema, televisão ou educação. Não apresentam nada de novo e apenas competem com outros tipos de atividade semelhantes, são como se fossem “livros” apresentados na internet.
Para o autor dessas linhas o desafio está em como atender ao público específico dos museus usando de ferramentas de exibição bidimensionais – as telas dos computadores – que não são adequadas para reproduzir a realidade física dos museus, onde o visitante está exposto a objetos que são em boa parte tridimensionais. Uma solução, simples e barata que já é empregada, é o uso de visitas guiadas a distância, onde o visitante pode interagir com um guia, permitindo que o guia aprofunde a abordagem sobre um tópico, mude o ponto de observação, alterne a velocidade da apresentação para atender os diferentes tipos de público, interagindo com eles. Outra solução que acredito ser viável seria o uso de ferramentas de realidade estendida, que permitissem ao visitante interagir com os objetos, “girando-os”, ampliando o seu tamanho ou procurando novos pontos de visada ou movendo-se ao redor deles no espaço, criando um espaço interativo. Com certeza, um trabalho criativo encontraria muito mais soluções possíveis.
São propostas, contudo, que demandam recursos e uma mudança na forma de atuar tradicional dos museus, algo que nunca é fácil de implementar, especialmente em uma situação ruinosa como é o do período da pandemia e que podemos esperar se mantenha nos meses ou até anos que se seguirão. Não cremos que isso implique na necessidade de se abandonar o modo tradicional como os museus funcionam, mas a situação atual é uma prova cabal de essa forma de atuar não é suficiente para os tempos de hoje.
É o momento de se pensar em como resolver os problemas criados pela pandemia é agora, com o lento retorno às atividades que tinham sido interrompidas. É preciso pensar como os museus poderão renascer e crescer no futuro, algo que deveria estar nas prioridades das instituições museológicas e dos órgãos de preservação cultural, que compartilham a responsabilidade da defesa do patrimônio.
[1] Historiador, doutor em história, pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e conselheiro do Museu de Armas Históricas Ferreira da Cunha. Foi pesquisador do Museu Histórico Nacional e curador do Museu Militar Conde de Linhares.
[2] AMERICAN ALLIANCE OF MUSEUMS & WILKENING Consulting, National Snapshot of COVID-19 Impact on United States Museums. [Outubro de 2020]. https://www.aam-us.org/wp-content/uploads/2020/11/AAMCOVID-19SnapshotSurvey-1.pdf (acesso em maio de 2021).
[3] POSTREL, Virgínia. Museums Sold More Art During Pandemic. Why Go Back? An emergency fun-draising measure intended to relieve financial distress should be left in place for other reasons. Blomberg Opinion, 28 de março de 2021. https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2021-03-28/can-museums-sell-art-to-recover-from-covid (acesso em maio de 2021). A tradução é nossa.
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