Dia Internacional dos Museus 2021

Fernanda C. C. Guedes [i] 
Alexander W. A. Kellner  [ii] 

Introdução

De repente, portas fechadas, isolamento, ninguém mais podendo entrar no Museu. O prédio, outrora local de pesquisa, divulgação científica e lazer, somente poderia ser visto de longe. Distanciamento do público, este tão importante para qualquer instituição que atua na cultura e na ciência, de uma hora para outra passou a ser a realidade. Era uma questão de segurança necessária, não havia dúvidas.

A circunstância descrita acima, tão atual nos dias de hoje, não é a do início da pandemia, como poderia se imaginar, mas a vivida pelo corpo social do Museu Nacional/UFRJ desde o dia 2 de setembro de 2018, data que marca o incêndio que transformou em tragédia todos os sonhos que estavam planejados para o ano do bicentenário de fundação da instituição, com enorme potencial para ações que visavam o seu desenvolvimento e um diálogo diferente com a sociedade.

Desde o incêndio, foram inúmeras adaptações, adequações e conciliações. Ações todas necessárias à nova realidade de não mais possuir uma sede de trabalho ao alcance. Reinvenção tornou-se a palavra de ordem. Mas, como de toda tragédia histórica se tiram preciosas lições e aprendizados – até mesmo para evitar que ela se repita – algumas experiências serviriam também a um novo momento inesperado, que viria em março de 2020 e com consequências mais graves para o país e o mundo: uma pandemia sem precedentes, que atingiu fortemente os museus (STUDART, 2021).

Neste texto [1], será apresentado, de forma sucinta, as diferentes ações realizadas pelo Museu Nacional/UFRJ após essas duas tragédias - o incêndio e depois a pandemia -, procurando contribuir para as tão necessárias reflexões que as instituições culturais e científicas são obrigadas a fazer daqui para frente.

O Museu Nacional Vive

Em setembro de 2018, ainda pouco tempo depois do incêndio, a instituição e seu corpo social, que incansavelmente retomava suas atividades acadêmicas, de pesquisa e de extensão, vivia também uma das faces mais difíceis desse processo: a falta de contato com um dos maiores patrimônios de todo museu, seu público. A comoção, de proporções internacionais, era inegável, mas como continuar próximo de quem tanto havia apoiado a instituição, fosse nos momentos gloriosos, como as inaugurações de exposições e grandes eventos na Quinta da Boa Vista, como no pior de todos, o incêndio (Figura 1). Era preciso mobilizar, motivar e, até mesmo provar para quem duvidasse, que o Museu Nacional/UFRJ resistia e reinventava sua existência. Além disso, uma comunidade interna de alunos, professores, técnicos e colaboradores havia sofrido também um abalo e, ainda assim, foram os grandes responsáveis para que, em pouco tempo, encontrássemos um novo caminho de atuação. A essas pessoas também devíamos um reconhecimento e o incentivo necessário para que pudessem dar prosseguimento às suas atividades.

Manifestação de estudantes na Quinta da Boa Vista, no dia seguinte ao incêndio no Museu Nacional/UFRJ. Foto de Diogo VasconcellosFigura 1 - Manifestação de estudantes na Quinta da Boa Vista, no dia seguinte ao incêndio no Museu Nacional/UFRJ. Foto de Diogo Vasconcellos

Dentro desse contexto, passados dez dias do incêndio, surgiu a campanha de comunicação intitulada “Museu Nacional Vive”, como mote para ressignificar esse novo momento da instituição que começava a se reerguer. Como verbo, o vive representava a ação contínua, o movimento de permanência, a existência que teimaria em persistir a despeito do tempo e do espaço. Um museu que vive também nas pessoas que dele fazem parte (abrangendo seu público interno e externo), que existe muito além da reunião de objetos e que vive também como parte da identidade de um país. Em cada pessoa que tenha vivido e sentido a tragédia do incêndio, vive uma parte do Museu Nacional/UFRJ e sua relação histórica com a sociedade.

Em pouco tempo, o slogan da campanha se tornou “autônomo” e dava nome ao primeiro evento pós-incêndio realizado na Quinta da Boa Vista, o Festival Museu Nacional Vive, a uma campanha de financiamento coletivo, exposições, estampava camisetas, bottons e outros produtos que propagavam a mensagem. Atualmente, “Museu Nacional Vive” também dá nome ao projeto de reconstrução da instituição, numa iniciativa de governança pioneira, que reúne UFRJ, UNESCO e Instituto Cultural Vale. O projeto conta também com o apoio de diversas instituições brasileiras e internacionais, com destaque para o Ministério da Educação, BNDES, BRADESCO, Bancada dos Deputados Federais do Rio de Janeiro, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Governo da Alemanha, Instituto Goethe, e os governos de Portugal e França, que acabaram de se juntar à iniciativa (para saber mais, acessem www.museunacionalvive.org.br ).

Entre 2018 e 2019, diante da impossibilidade de um espaço físico constante, foi necessário repensar como se daria o contato com o público, que não poderia acessar ou aguardar que o Palácio fosse reconstruído. O Museu Nacional/UFRJ não poderia deixar órfãos suas centenas de milhares de visitantes, muitos deles que tinham na instituição sua primeira ou única experiência em museus na cidade (GUEDES, 2018).

Nesse primeiro momento, foram estabelecidas duas frentes principais de atuação: os eventos públicos na Quinta da Boa Vista, mantendo assim a relação com os frequentadores habituais do parque (Figura 2), e o estabelecimento de parcerias, que possibilitassem a realização de exposições com o acervo remanescente da instituição. Além disso, a atuação do Setor Educativo, com presença quinzenal no parque, a participação em outros eventos, as iniciativas autônomas de servidores, além dos projetos de extensão, que chegaram a alcançar 73 mil pessoas em sete estados do país só em 2019 (GUEDES& KELLNER, 2020), somaram-se aos esforços de manter vivo e atuante o Museu Nacional/UFRJ.

Comemorações dos 201 anos do Museu Nacional/UFRJ, em 2019, na Quinta da Boa Vista. Foto de Orlando Grillo.Figura 2 - Comemorações dos 201 anos do Museu Nacional/UFRJ, em 2019, na Quinta da Boa Vista. Foto de Orlando Grillo.

Das parcerias, até março de 2020, resultaram seis exposições, realizadas no Centro Cultural Museu Casa da Moeda (Quando Nem Tudo Era Gelo - Novas Descobertas no Continente Antártico, 2019), Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (Arqueologia do Resgate - Museu Nacional Vive, 2019), Congresso Nacional (Museu Nacional Vive - Memória e Perspectivas, 2019), Caixa Cultural do Rio de Janeiro (Santo Antônio de Sá: Primeira Vila do Recôncavo da Guanabara, 2019), Museu de Astronomia e Ciências Afins e Arquivo Nacional (Ressurgindo das Cinzas, 2020). Além destas, exposições no Museu do Meio Ambiente e Museu de Arte do Rio, contaram com acervo e cooperação do Museu Nacional/UFRJ em sua realização.

Diversas iniciativas despontavam quando, em março de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara a pandemia devido ao avanço do coronavírus SARS-CoV-2.

Ações durante a pandemia

Tão logo começaram as primeiras determinações de isolamento social e, juntamente com outras ações, as instituições museológicas tiveram que ser fechadas, pouco se sabia sobre o cenário que estaria por vir. As previsões iniciais, que davam conta de alguns meses de afastamento deram lugar a uma total incerteza e com perspectivas cada vez menos animadoras. Passado mais de um ano das primeiras medidas, ainda não há com exatidão como prever o futuro que nos aguarda. Porém, um ponto parece certo: as atividades presenciais serão restritas pelos próximos tempos. Não há como negar que a Covid-19 mudou a percepção de todos sobre os riscos de uma pandemia e as suas consequências, que precisam ser levadas em conta por toda a sociedade, incluindo os equipamentos museais (UNESCO 2020).

Uma amostra das expectativas e anseios das instituições museológicas foi revelada na pesquisa realizada pelo IBERMUSEUS (2020) em 434 instituições de 18 países ibero-americanos. Nela, os profissionais de museus apontavam como a maior preocupação durante o período inicial de isolamento o desafio de transpor ao universo virtual conteúdos que pudessem dialogar com o público. Com o passar do tempo, o foco passava também à busca por soluções e estratégias que pudessem, agora a médio e longo prazo, tornar-se mais sustentáveis.

No Museu Nacional/UFRJ, diante das restrições ainda mais desafiadoras (e, claro, necessárias), não foi diferente. O caminho inicial indicava um aprimoramento da comunicação por meio das plataformas de redes sociais, então, além de propor atividades que pudessem ser realizadas em casa com as crianças, orientações sobre medidas de biossegurança foram reforçadas. Realizamos uma série chamada “Museu Nacional Live”, com bate-papos no Instagram que versavam sobre as pesquisas e atividades da instituição. As comemorações pelos 202 anos do Museu em 2020, que tradicionalmente seriam realizadas em evento público na Quinta da Boa Vista, também tiveram que se adaptar ao formato online. Um total de 30 oficinas foram gravadas em vídeo por alunos, técnicos e professores, e levaram ao público um pouco da ciência e do conhecimento produzido pela instituição. O passeio virtual do Google Arts & Culture serviu para que muitos revisitassem o Museu Nacional/UFRJ e suas antigas exposições e foi uma alternativa bastante procurada logo no início da pandemia (para realizar o tour virtual pelo Museu antes do incêndio, acesse www.artsandculture.google.com/project/museu-nacional-brasil?hl=pt ).

Ao longo desse período, realizamos inúmeros seminários, debates, palestras e atividades de extensão, sempre de forma digital (Figura 3).

Exemplos de atividades realizadas durante o período de isolamento social. Artes de Anna BayerFigura 3 - Exemplos de atividades realizadas durante o período de isolamento social. Artes de Anna Bayer

Ademais, também atuamos no desenvolvimento de exposições virtuais. A primeira, inaugurada em setembro de 2020, intitulada Doces Santos, foi uma iniciativa do Laboratório de Antropologia do Lúdico e do Sagrado e levou para o Instagram parte dos resultados de uma pesquisa antropológica sobre a devoção a Cosme e Damião no Rio de Janeiro (para conhecer, acesse www.instagram.com/ludensmn ). Outra mostra, a Primeiros Brasileiros, anteriormente presencial, foi adaptada para o formato online (disponível em www.osprimeirosbrasileiros.mn.ufrj.br/pt/ ), apresentando a história e a diversidade cultural dos povos indígenas do Nordeste (Figura 4). Nunca é demais enfatizar que essa atividade foi realizada em colaboração com representantes dos povos indígenas que, inclusive, doaram peças etnográficas para as novas coleções da instituição, uma parcela das quais é apresentada nessa exposição.

Evento de lançamento da exposição virtual "Os Primeiros Brasileiros". Print de tela.Figura 4 - Evento de lançamento da exposição virtual "Os Primeiros Brasileiros". Print de tela.

A disponibilização dos eventos “na nuvem” – uma iniciativa também praticada por várias instituições – possibilitou que a mensagem “Museu Nacional Vive”, chegasse a qualquer lugar do planeta, demonstrando o poder de reinvenção de uma instituição museológica.

Tal fato demonstra o quanto a reconstrução desse equipamento científico e cultural é importante para o país e, particularmente, para a população do Rio de Janeiro (KELLNER, 2019).

Considerações Finais

A pandemia não terminou e o Museu Nacional/UFRJ - como diversas outras instituições museais-, ainda está procurando se adequar à nova realidade. É fato que nenhuma das experiências aqui descritas irá substituir a do contato humano ou a interação e a vivência única de estar em um espaço museal. A magia de vivenciar e interagir com um objeto in loco, continuará a ser um dos pontos mais importantes de todas as mostras. No entanto, também é fato que o mundo mudou e espaços terão que ser repensados diante da certeza que a Covid-19 nos trouxe: o surgimento de novas pandemias é algo real (VAL, 2019), como são os seus danos.

Uma herança que certamente toda a experiência de isolamento social nos trouxe é a necessidade de manter o contato com o público através das tecnologias digitais - seja através de mostras, eventos ou ações em plataformas de redes sociais. Uma tendência que já se verificava antes da pandemia, a realização de exposições virtuais, veio para ficar. Esse tipo de ação possibilita que as instituições alcancem públicos que talvez não visitassem suas instalações, como moradores de outros estados e países, e, até mesmo, estimular uma visitação presencial aos espaços.

Cabe ressaltar que, para que essas atividades virtuais possam ter efeitos positivos na atração de novos públicos, não se pode perder de vista sua função educativa e cultural, do mesmo modo que nos preocupamos com a introdução de dispositivos tecnológicos na experiência do visitante no museu.

Dos dois momentos críticos pelos quais passou e ainda passa o Museu Nacional/UFRJ– o incêndio e a pandemia –, tiramos lições que, de certa forma, podem servir de inspiração para o que ainda está por vir. É preciso envolver a comunidade, aproximar-se dos públicos da instituição, procurar parceiros e buscar, de alguma forma, ainda que na adversidade, motivar e engajar a sociedade em torno das pautas que lhe são caras. Às instituições de ciência, como o Museu Nacional/UFRJ, que têm o ensino, a pesquisa e a extensão como seus pilares, ainda cabe o compromisso de reafirmar a importância do acesso ao conhecimento como chave para o desenvolvimento de um país e de sua população.

Do museu mais antigo em atividade no país ao mais recente, do que se dedica aos estudos de história natural e antropologia ao museu de arte, é preciso criar uma rede de museus, agir em conjunto, elaborar soluções que podem surgir a partir de experiências diversas. Devemos pensar grande, tão grande como o vasto acervo material e humano que temos por trás das paredes dos museus brasileiros. Saberes e pessoas que, mesmo durante situação tão difícil e desafiadora, não se esconderam, vieram à tona, revelando a teia de significados e experiências que os museus podem provocar na sociedade.

Até aqui, muito se aprendeu sobre as novas dinâmicas que têm sido a tônica da comunicação dos museus com seus públicos. Muitas delas vieram para ficar e serão mantidas até mesmo após a pandemia. Outras, possivelmente, serão temporárias e já se esgotaram mesmo durante o período pandêmico. De qualquer forma, nunca ficou tão evidente a necessidade de termos museus conectados com as questões iminentes da sociedade que os cerca e a importância da comunicação museológica no diálogo e troca com o público. As maneiras mais efetivas de realizar essa troca ainda deverá ser fruto de profundas reflexões.


[i] Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF)/ Museu Nacional/UFRJ - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[ii] Laboratório de Sistemática e Tafonomia de Vertebrados Fósseis, Departamento de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional/UFRJ - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

[1] O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. AWAK agradece ao CNPq (#313461/2018-0) e a FAPERJ (#E-26/202.905/2018).


Referências


Entre em contato conosco!

Envie seus comentários, críticas e elogios sobre esse artigo para o email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. .

Agenda

Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31