Anelise Pacheco [1]
Podemos dizer que, com o advento das novas tecnologias, os museus passaram a se assemelhar cada vez mais com playgrounds tecnológicos onde as novas tecnologias podem ser desenvolvidas e aplicadas no dia a dia. Faremos agora uma breve incursão no tema para analisar de que forma a inovação do digital pode tornar os museus mais acessíveis e cativantes, auxiliando o público a entender conceitos complexos e sutis.
Se até meados dos anos 50 do século XX os museus eram elitistas e podiam ser considerados uma espécie de "country club estético", dirigidos por ricos e cultos e voltados para ricos e cultos, a partir da década de 70, eles passaram a ser direcionados para o grande público. Os visitantes se tornam tão importantes quanto os objetos que os museus têm em suas coleções. E para atender à demanda desses novos usuários, os museus diversificam seus serviços, abrindo lanchonetes, restaurantes, teatro, lojas, cinema, e dando tanta atenção a esses serviços quanto às suas coleções de objetos e documentos. Acostumados a padrões sofisticados de comunicação veiculados pela televisão, revistas, lojas e feiras comerciais, o público das massas passa a exigir padrões similares nos museus. Eles querem se divertir e obter informação da maneira segundo a qual se acostumaram. e esperam que o acesso à informação seja fácil e imediato. Mas a tecnologia somente se tornou "a fogueira em torno da qual nos agrupamos" devido ao fato de ter sido capaz de se infiltrar em nossas vidas a ponto de ter se tornado parecida conosco.
Em 1994, ao inserir a pergunta "O tempo é longo ou largo?" no seu disco Bright Red, a artista performática Laurie Anderson mal sabia que estava lançando um novo paradigma nos meios comunicacionais.
Se durante muito tempo foi o tempo sequencial, linear e cronológico que referenciou o mundo, a introdução do computador, como artifício em nossa sociedade, fez surgir a ideia de um tempo largo.
Na época moderna, os computadores eram vistos como poderosas máquinas calculadoras e a cultura podia ser associada à uma cultura do cálculo. A forma lógica, estruturada e linear de funcionamento do computador era considerada não apenas como uma orientação para se pensar a tecnologia e as linguagens de programação, mas como uma orientação para se pensar a economia, a psicologia e a vida social. As ideias computacionais eram apresentadas como uma das grandes metanarrativas modernas acerca de como o mundo funcionava e sobre a forma como ele produzia imagens unificadas através de análises estruturadas. A estética modernista prometia explicar e desempacotar, reduzir e clarear. Os computadores nesta visão, tornariam-se mais poderosos, tanto como ferramentas, como metáforas, ao se transformarem em máquinas melhores e mais rápidas.
Todavia, as lições que tiramos dos computadores hoje têm pouco a ver com regras e cálculos. Elas dizem respeito à simulação, à navegação e à interação. E, ao invés de privilegiarmos termos como linear, lógico e hierárquico, damos preferência a termos como acentrado, fluido, não-linear e opaco.
Enquanto na modernidade nos preocupávamos com perguntas do tipo: "O que significa pensar?" ou ainda "O computador pensa?", pergunta em questão no presente parece ser: "O que significa estar vivo?" ou "Que tipo de vivências podemos ter?" Estamos mais interessados em explorar o mundo das superfícies mutantes do que embarcar em uma busca das origens e da estrutura. Não se trata mais de estabelecer bases a partir de um inventário analítico enciclopédico do simples, mas de reunir e juntar peças separadas, por vezes oriundas de campos disciplinares muito diferentes para obter um efeito novo.
A característica assíncrona do tempo do computador, que permite que recebamos mensagens em tempos distintos e que as enviemos em tempos diversos, fez surgir a ideia de um tempo largo, no qual coexistem presente e passado, e presente e futuro.
Para o filósofo e urbanista Paul Virilio, o espaço deixou de existir, só sobrou o tempo. Podemos trabalhar, fazer amigos, namorar, engravidar, ter filhos, nascer e morrer sem sair do lugar. Jovens têm como parceiros, da plataforma Playstation, outros jovens que se encontram em dispersosem várias outras partes do mundo. E, mesmo crianças quando se reúnem presencialmente para brincar, brincam de pique esconde virtualmente, cada uma com seu tablet e seu avatar. O mundo se tornou para sempre híbrido. Um misto de analógico/digital.
E o presente não é mais visto como o lugar do novo em descontinuidade com a tradição. Não parece mais ser trata de o homem inventar a si mesmo, mas caminhar com destreza sobre as superfícies que o mundo agora oferece.
Na era digital é o tempo largo, amplo e esparramado que importa - aquele onde tudo se concentra no agora, na semana passada e na próxima. Neste cenário, o passado remoto é visto como uma fantasia medieval e o futuro longínquo como uma fantasia espacial.
Mas, na medida em que o espaço é capturado pelo tempo, resta-nos saber então como nos referenciarmos em um mundo cada vez mais fluido, frágil e fragmentado do presente.
No campo dos museus, as organizações de coleções em bases de dados e a digitalização de coleções são atividades possíveis desde a década de 80 do século passado. Elas ajudaram em muito a organizar arquivos e coleções dispersas e referenciar de forma mais imediata objetos de coleções, mas não foram ferramentas oriundas especificamente da revolução do digital. Já os hipertextos, QR Codes, a realidade aumentada, a realidade virtual e os experimentos imersivos que surgiram na virada do século forneceram novas ferramentas, vistas como revolucionárias, para aplicações em museus e instalações em exposições. É inegável o fato de que estas ferramentas aumentaram em muito a acessibilidade a coleções, e agradaram de imediato a um grande público. Todavia, quando se pensa em uma coleção como um relato de uma estória, e em um museu como um depositário de relatos de múltiplas estórias, pode-se dizer que no século XX as estórias eram contadas de maneira analógica, utilizando ferramentas analógicas. Entretanto, o que observamos na maioria das vezes no século XXI são ainda narrativas analógicas sendo contadas utilizando agora ferramentas digitais, o que faz que com a estória já nasça desprovida de permanência do novo, e desprovida de agregar potência ao objeto da coleção.
A meu ver, o cerne da questão reside positivar o conceito do hibridismo (analógico/digital) no que tange as narrativas existentes capazes de contar as nossas estórias. Já existem tecnologias capazes de captar, em uma exposição, a faixa etária, gênero, e fazer todo um mapeamento a fundo do perfil de um visitante, a fim de lhe proporcionar as informações e as experiências mais adequadas e com menor margem de erro possível. Mas será que a inovação da revolução do digital já conseguiu nos aportar narrativas digitais para contar a estória dos museus e de nossas vidas, a partir de ferramentas analógicas e digitais, contribuindo para aumentar efetivamente o nosso deslumbramento pelas coleções e por seus objetos? Pois só assim seremos efetivamente capazes de mesclar ferramentas analógicas e digitais de maneira a tecer poderosas narrativas que não privilegiem uma ferramenta em detrimento da outra (o digital em detrimento do analógico, ou vice-versa), mas que fortaleça e nos dê mais condições de possibilidade de navegar neste novo estado híbrido de coisas, que veio para ficar.
[1] Bacharel em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1985), mestre em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1988), mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994) e doutora em Comunicação e Sistemas de Pensamento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999). Foi Diretora do Museu da República de 1993 a 2003. Foi diretora do Museu de Astronomia e Ciências Afins de 2018 a fevereiro de 2021..
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