Dia Internacional dos Museus 2022

Adler Homero Fonseca de Castro [1] 

A Revista Museu, todos os anos, comemora o dia internacional dos museus com um volume dedicado aos pontos apresentados pelo Icom como sendo relevantes às comemorações do dia. Neste ano o tema central é o “poder dos museus”, subdivido em três temas secundários: o poder de atingir sustentabilidade, o poder de construção de sentimento de comunidade através da comunicação e o poder de inovar sobre a digitalização e acessibilidade. Do nosso ponto de vista, não são temas polêmicos, que permitam uma discussão e um acalorado debate sobre abordagens divergentes, ainda que potencialmente benéfica para os museus e, principalmente, para as comunidades que são servidas por essas instituições. Todos os temas são relacionados à própria definição de museu na atualidade e isso implica que uma entidade qualquer que não os procure atender não poderia ser considerada como um museu e, portanto, não deveria ser objeto da proposta do Icom para o dia internacional de museus.

Da parte do abaixo assinado, já escrevemos sobre um dos temas aqui nas páginas da Revista Museu, em artigos publicados nos especiais do dia de museus em 2018, 2019 e 2021 [2], tratando da possibilidade – na verdade, algo que é uma necessidade, dos museus usarem todos os recursos possíveis da moderna tecnologia melhor cumprirem seu papel social. Desta forma, não poderíamos deixar de concordar com a questão do poder de inovar como uma que é central – na verdade, vemos como muito difícil tentar ignorar esta questão em um ambiente da atualidade, onde as pessoas e instituições estão imersas em um ambiente em permanente mudança e alteração, ainda que não esta não sejam necessariamente positivas.

Por outro lado, gostaríamos de neste artigo assumir o papel de advocatus diaboli, a pessoa que argumentava contra as indicações de beatificação da igreja católica, mostrando os problemas dessas indicações, um termo que entrou na cultura popular como “advogado do diabo”.

Ao nosso ver, é evidente que a questão da inovação digital pode tornar os museus mais acessíveis e agradáveis de visitar e pensamos que é muito difícil uma pessoa afirmar o contrário. No entanto existe um risco real – que se torna cada vez mais comum – dos museus se concentrarem nos aspectos tecnológicos, relegando o seu ponto forte, que é o trabalho com a cultura material a um aspecto secundário. Nesse sentido, gosto de citar uma das três leis de Clarke, do autor de livros de ficção científica Arthur C. Clarke (1917-2008), que escreveu que “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica”.

De um ponto de vista prático, o uso de tecnologia em um museu pode ser – e é – visto, como um “truque de mágica”, muitas vezes um fim em si mesmo, usado para impressionar o visitante, não por seu conteúdo, mas sim por ser “diferente”, “desconhecido” ou “moderno”. Consideramos esta postura como algo que é patético, pois a natureza de nossa sociedade moderna é que os avanços técnicos se popularizem de forma muito rápida, fazendo com que uma coisa que é uma novidade hoje não o seja mais daqui a um espaço muito curto de tempo e, como todos sabemos, se um mágico tem seus truques revelados, o interesse, a “magia” do espetáculo se perde.

Cremos que a perda da “magia” em atividades de museu é um risco real e um que pode ter consequências devastadoras quando uma instituição museológica tem como proposta centrar suas atividades na tecnologia de exposição e não em seus pontos fortes, que deveriam ser o acervo e a ação de interpretação que é feita sobre ele. Vivemos em um mundo onde há poucos recursos disponíveis para as instituições museológicas, estas estão, com pouquíssimas exceções, sempre vivendo na penúria, e o uso de tecnologias de ponta é sempre dispendioso, já que elas são avançadas e, como tal, ainda não de uso comum, sem terem a vantagem da economia de escala. Por sua vez, poucos museus têm condições de preparar projetos museológicos complexos de curta duração, investimentos maiores têm que ser pensados em termos capitalistas, de um “retorno”, “lucros”, maiores em relação ao capital despendido, isso se dando em termos culturais, é claro.

O que gostaríamos de apontar neste pequeno texto é um risco que vemos que existe e já se concretizou em alguns casos de nossa experiência em museus, do projeto museológico enfatizar aspectos técnicos, dispendiosos, para tentar impressionar o visitante pela técnica e não pela ação tradicional museológica. Isso pode dar certo – já deu em diversos casos – mas não garante o sucesso da proposta a longo prazo, devido a problemas de superação tecnológica e, principalmente, por causa dos elevados custos de manutenção que o uso de novas e complicadas tecnologias acarretam. Isso sem falar na possibilidade real do uso da tecnologia não alcançar o objetivo proposto, de encantar o público visitante.

Não defendemos aqui uma postura retrógrada ou tradicionalista – apesar do uso tradicional de técnicas de museus ter se tornado tradicional justamente por que funciona. Obviamente, como colocamos no início deste texto, o uso de novas tecnologias é benéfico e é parte indissociável do trabalho museológico. Nosso alerta vai apenas no sentido de que este tipo de ação não pode, em hipótese alguma, ser visto como um fim em si mesmo, é apenas um adjunto, uma ferramenta para a equipe do museu conseguir atingir seus objetivos de forma mais completa.


[1]  Historiador, doutor em história, pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e conselheiro do Museu de Armas Históricas Ferreira da Cunha. Foi pesquisador do Museu Histórico Nacional e curador do Museu Militar Conde de Linhares.

[2] A contradição do moderno - o local versus o universal (2018), https://www.revistamuseu.com.br/site/br/artigos/18-de-maio/18-maio-2018/4723-a-contradicao-do-moderno-o-local-versus-o-universal.html ; Os dois lados de uma mesma moeda: mudança e tradição no dia internacional dos museus, https://www.revistamuseu.com.br/site/br/artigos/18-de-maio/18-maio-2019/6480-os-dois-lados-de-uma-mesma-moeda-mudanca-e-tradicao-no-dia-internacional-dos-museus.html e Os museus no presente – renascer e crescer (2021), https://www.revistamuseu.com.br/site/br/artigos/18-de-maio/18-maio-2021/11303-os-museus-no-presente-renascer-e-crescer.html .


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