Dia Internacional dos Museus 2023

Ana Mae Barbosa [i] 

RESUMO

O objetivo do texto é a celebração de quatro artistas brasileiros que fazem de seu trabalho educacional seu trabalho de Arte. São eles Otavio Roth; Rivane Neuenschwander; Graziela Kunsche Paulo Teles. Eles são grandes estimuladores do discurso reflexo-criativo dos educativos de Museus e do trabalho em sala de aula de professores que atuam da educação infantil à pós-graduação em ensino/aprendizagem de Artes Visuais.

Neste curto texto quero celebrar quatro artistas que no Brasil vem representando muito bem a virada educacional dos artistas, isto é, aqueles que fazem de seu trabalho educacional, seu trabalho de Arte. Eles são grandes estimuladores do discurso reflexo/criativo dos educativos de Museus e do trabalho em sala de aula de professores que atuam da educação infantil à pós-graduação em ensino/aprendizagem de artes visuais.

A produção de Otavio Roth; Rivane Neuenschwander; Graziela Kunsch e Paulo Teles reforça o ego dos arte/educadores e renova a Estética da Atmosfera dos museus.

Os educativos de museu sempre foram esnobados pelo sistema das Artes, desqualificados e muitas vezes existiam para arrecadar verbas de setores sociais para serem desviadas para outros setores mais valorizados, como o de exposições. Quando eu dirigi o Museu de Arte Contemporânea (MAC/USP) uma jornalista curadora me propôs ocupar um espaço no museu para tentar fazer uma exposição. Acolhi-a de braços abertos pois espaço não nos faltava. Ela me pediu uma secretária, que não pude dar pois havia apenas duas para atender todo o museu. Ela me perguntou porque não demitia um educador e contratava uma secretária para ela, afirmando categoricamente “museu não é escola, pra quê tanto arte/educador?” Ouvi tanto impropério contra educação em museus que tenho vontade de escrever um livro contando os casos, sem citar nomes, é claro. Na pandemia (2020 e 2021) entretanto foram os educativos de museus que se encarregaram de manter o diálogo com os públicos contribuindo para movimentar o olhar e o cérebro, o prazer e a cognição.

A virada educacional dos artistas também foi uma força confirmadora da importância dos educativos de museu. Se os artistas consideram a educação um foco só resta ao museu confirmá-lo.

É somente nos anos 2010 que esta linha de construção artística, a partir das ações educacionais dos artistas, ganha interesse no Brasil, embora Joseph Beuys tenha sido um precursor na década de 70 do século passado. O curioso é que os imitadores brasileiros dos celebrados trabalhos de Beuys (décadas de 1970 e 1980) eram os artistas que mais desprezavam educação. Um deles me disse um dia: “Sou contra esta sua mania de querer que todo mundo entenda de Arte. Para mim só interessa que entenda de Arte quem pode comprar meu trabalho”. Chegaram a trabalhar com feltro e banha que Beuys usava. Os imitadores talvez soubessem mas achavam que os compradores,o mercado e os públicos não sabiam as possíveis razões fenomenológicas da escolha destes materiais. Senso comum ou mito, Beuys foi salvo de uma queda de avião na Segunda Guerra Mundial, por um grupo de tártaros, que envolveram seu corpo com ervas, banha e feltro. Ignoravam, não entendiam ou faziam questão de desprezar a importância que Bueys dava à educação atribuindo a seus atos educacionais a categoria de ações artísticas com muita propriedade e criando um experimento em Arte/Educação denominado "Escola Livre de Alta Educação" renomeado FIU (Universidade Livre Internacional). [1] 

No Brasil o precursor da Virada Educacional dos Artistas foi Otavio Roth [2] com o Projeto “A Árvore” no (MAC-USP), São Paulo/SP dentro do Projeto mais amplo sobre Arte e Ecologia desenvolvido pelo MAC de 1991/1992 quando fui membro do Comitê da ECO-92. Este projeto de Otavio Roth, financiado pela Prefeitura de São Paulo quando era Prefeita Luiza Erundina incluiu a participação de 10.000 (dez mil) crianças no mês de férias, em Julho. [3] 

“(…) La idea de Roth fue montar con los niños una instalación colectiva, a partir del esqueleto de un enorme árbol de largos gajos, dibujados en negro en una superficie de acetato transparente. Los niños, después de conversar con Octavio Roth, recibían hojas de árbol recortadas en papel adhesivo, las cuales deberían dibujar y pintar. Listas las hojas, fueron colocadas en el árbol y cada niño firmó con su nombre debajo de la imagen.” [4] 

O Projeto Arte e Meio Ambiente do MAC e a ação educacional de Otavio Roth foi muito bem sucedida e a árvore viajou por mais de 70 países, sendo enriquecida com mais folhas produzidas por muitas crianças de diferentes culturas, etnias e classes sociais. Trinta anos depois, já no século XXI a filha de Otavio Roth, Isabel, especialista em Direito Internacional, diante da situação ambiental do país e da necessidade de reforçarmos os princípios dos Direitos Humanos no Brasil, recontextualizou e tridimencionalizou a Árvore, que exposta no SESC Bom Retiro integrou uma mostra curada por Fábio Magalhães e que percorreu escolas em São Paulo.

Para enfrentarmos o presente podemos recorrer a instrumentos que foram eficazes em situações semelhantes no passado. O problema com a História é que nunca se repete,pois, as condições sociais mudam e é preciso recontextualizar em função do tempo, do espaço e das condições políticas. Isabel Roth fez isto.

Figura 1. Depois de visita ao Parque Ibirapuera explorando árvores conversa sobre o projeto e sobre ecologia com Otavio Roth.Figura 1. Depois de visita ao Parque Ibirapuera explorando árvores conversa sobre o projeto e sobre ecologia com Otavio Roth.

Figura 2. Receberam papel autocolante com corte prévio de folhas para desenharem.Figura 2. Receberam papel autocolante com corte prévio de folhas para desenharem.

Figura 3. O artista Otavio Roth colava as folhas no esboço dos galhos desenhado em acetato; cada aluno escrevia seu nome em adesivo e colocava em baixo da árvore.Figura 3. O artista Otavio Roth colava as folhas no esboço dos galhos desenhado em acetato; cada aluno escrevia seu nome em adesivo e colocava em baixo da árvore.

A virada educacional dos artistas vem sendo apoiada pela crítica hegemônica das Artes como é o caso do excelente trabalho de Rivane Neuenschwander [5] que para seu Projeto O nome do Medo trabalhou com crianças no Parque Lage, Rio de Janeiro e com um estilista elaborou capas, baseadas nos desenhos que fizeram, para combater os seus medos. Esses trabalhos estiveram em várias exposições, inclusive no exterior.

Figura 4.“Mosquito da Dengue/Janela” e “Monstro Estranho (fotos: Pedro Agilson)Figura 4.“Mosquito da Dengue/Janela” e “Monstro Estranho (fotos: Pedro Agilson)
(Fonte: https://medium.com/revista-bravo/os-medos-na-inf%C3%A2ncia-7d9c08111d0 )

A obra de Graziela Kunsch, Public Daycare é uma das mais recentes na história da virada educacional dos artistas pois foi apresentada na Documenta de Kassel de 2022.A artista brasileira:

“Graziela Kunsch projetou um espaço com mobiliário para o acolhimento e desenvolvimento de bebês – que com os responsáveis têm entrada gratuita pela porta exclusiva do trabalho. Ela se baseou na “pedagogia emancipadora da pediatra húngara EmmiPikler (1902-1984). O ambiente é seguro e de aprendizado para adultos e pequenos. A instalação mostra também escritos e fotografias de crianças no abrigo de Pikler, fundado em 1946. Uma sala contígua, escura e confortável, exibe uma projeção de Manuela, filha da artista, experimentando o método, que tem entre seus princípios a autonomia do bebê ao brincar#”. (Fonte: Revista Select)

Figura 5. Public Daycare.Figura 5. Public Daycare.

A Árvore dos desejos é um projeto de Paulo Teles [6], professor do Instituto de Artes da UNICAMP e Pós-Doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2015). Podemos considerar Teles como um artista cujo trabalho participativo com os alunos é também sua própria obra de Arte. Esse projeto foi executado e exposto em Museus e Centros Culturais vários países da Ásia, África, América do Sul, várias cidades do Brasil e uma aldeia de etnia Pataxóe executado com crianças, adolescentes e adultos. É portanto Internacional e interdisciplinar porque se encaixa em diferentes categorias disciplinares como Educomunicação, Artes, História, Arte/Educação, Geografia, etc. Feito sobretudo em escolas do Brasil e de outros países, neste projeto professores, alunos ou participantes são orientados a recolher materiais recicláveis, discutir sobre consumo sustentável e produzir mídias (vídeos, fotos e narrações em áudio) sobre os desejos e sonhos de cada participante, que são divulgados numa árvore artificial produzida com os materiais coletados. Os produtos de mídia produzidos pelos alunos são ativados por sensores através de um sistema eletrônico incorporado na Árvore e projetados num telão. Acompanhei na Namíbia em 2018 o trabalho de Paulo Teles e Rosana, professora de Arte da Escola Fundamental e média de Campinas e fiquei entusiasmada pela atuação deles na sala de aula, transformando em Arte sua ideologia ecológica e iniciando as crianças em processos tecnológicos. A diversidade das árvores produzidas pela ação de Teles em cada país comprova seu respeito pela cultura local. Também é muito respeitoso com o processo participativo; Teles nomeia cada professor de sala de aula que colabora com seu trabalho. Era bom ser permitido também dar os nomes dos alunos, mas juridicamente não é aconselhável.

Figura 6. Árvore PATAXÓ HÃHÃHÃE.Figura 6. Árvore PATAXÓ HÃHÃHÃE.
Fonte: https://aei.art.br/residencias/arvore-dos-desejos/

Figura 7. Árvore dos Desejos produzida em Portugal.Figura 7. Árvore dos Desejos produzida em Portugal.
Fonte: https://educomusp.wordpress.com/2012/12/22/educomunicadores8/

Esses quatro artistas com sua obra ajudaram a vencer o preconceito hoje indiscriminado contra Educação que é enorme no Brasil, só suplantado pelo preconceito de raça, de classe social e de gênero. Os ricos estudam em colégios caríssimos e/ou no exterior. Entretanto, este preconceito não é discutido mais amplamente porque não deixa cadáveres estendidos nas ruas das cidades, mas “apenas” gera seres humanos, em geral da classe dos despossuídos, infelicitados por inadequações à vida, exclusão e falta de estímulo cognitivo.

Curiosamente entre os anos 1950 e 1970 a Arte na educação, como era de alcance apenas para crianças da classe média em diante, foi celebrada pelos estratos mais altos da sociedade.

Na década de 1970 a obrigatoriedade do Ensino das Artes na escola pública foi contaminadapelo preconceito pois criava uma Licenciatura que em dois anos pretendia preparar um professor para ensinar Música, Artes Plásticas, Teatro, Dança (Artes Cênicas) e Desenho Geométrico ao mesmo tempo. A preparação destes professores foi um fracasso. Apesar de algumas Universidades importantes terem se recusado a esta polivalência e formação aligeirada, o mal estava feito e a má fama do professor de Arte considerado um mediocrizador da Arte se enraizou. Na USP, embora tivéssemos bons professores, o fato de só haver por muito tempo Licenciatura e não haver Bacharelado em Artes Visuais levava os alunos a abominarem Educação pois eram obrigados a ter disciplinas que segundo eles jamais precisariam delas pois pretendiam ser artistas. Eu lutei bastante pela criação do Bacharelado para só ter aluno interessados em serem professores. Parece uma contradição, mas aprovado o Bacharelado, muitos alunos formados voltavam para fazer a disciplina de Educação, quando era necessário ensinar para sobreviver. Eram recebidos com enorme alegria. A reflexão sobre Educação ajuda a reconhecer os processos de aprendizagem pelos quais passamos, nos conhecermos melhor e reconhecermos os heróis e heroínas da nossa própria história.


[i]  Pós-doutora em arte educação - SP
[1] Dália Rosenthal. Joseph Beuys: o elemento material como agente social*ARS (São Paulo) vol.9 no.18 São Paulo, 2011. Este Artigo foi escrito a partir dos capítulos 5 e 6 presentes na Dissertação de Mestrado. O Elemento Material na obra de Joseph Beuys, defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2002. http://dx.doi.org/10.1590/S1678-53202011000200008 
[2] Foi gravador, designer gráfico, ilustrador e professor. Morou em Israel, Inglaterra, Noruega e Estados Unidos. Estudou fotografia e cursou Comunicação e Marketing na ESPM e Desenho Gráfico na Hornsey College of Art, em Londres, Foi um ativista dos direitos humanos. Seu engajamento político rendeu parcerias com as Nações Unidas e também com a Anistia Internacional.
[3]
Ver sobre o projeto Arte e Meio Ambiente. Ana Mae Barbosa: Tópicos Utópicos. BH: Comarte. 1998.
[4] BARBOSA, Ana Mae. Arte e Ecologia. Anais do Congresso de Museus em México, 2008.
[5] Rivane Neuenschwander nasceu, em 1967, em Belo Horizonte e atualmente vive em São Paulo. Por volta dos 22 anos, seu interesse por artes materializou-se no estudo de desenho na Universidade Federal de Minas Gerais. Não tardou a fazer sua primeira exposição individual, na Itaú Galeria BH e SP (1992). Daí em diante, passou por várias outras instituições culturais. Participou de duas bienais de Veneza, em 2003 e 2004, além de marcar presença em três edições da Bienal de São Paulo. Em 2015, apresentou o projeto The Name of Fear, na Whitechapel Gallery, em Londres; em 2016, participou das exposições Histórias da Infância, no Masp, e Filmes e Vídeos de Artistas na Coleção Itaú Cultural.
[6] Tendo mais de trinta anos de atuação dedicada às artes e à comunicação, com trabalhos produzidos e exibidos em diversos países, atua nas áreas de arte tecnológica e de novas tecnologias de comunicação nos seguintes temas: processos criativos e inclusivos, linguagem audiovisual, mídias emergentes e arte-educação multiprocessual.


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