Ana Vilela [1]
Refletir sobre o papel dos museus na sociedade é uma prática que ajuda a entender a dimensão dessas instituições. Em 2023, o Conselho Internacional dos Museus (ICOM) propôs o tema “Museus, sustentabilidade e bem-estar" para o Dia Internacional dos Museus (18 de maio). O objetivo é destacar como esses espaços apoiam três dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (OSD) da Organização das Nações Unidas (ONU): Saúde e Bem-Estar Global, Ação Climática e Vida na Terra.
Historicamente, os museus vêm desempenhando um importante papel na construção e difusão da história dos povos e de suas culturas, sendo reconhecidos como espaços de preservação de objetos representativos de marcos relevantes, descobertas e patrimônios material e imaterial. Essas instituições podem ter caráter histórico, artístico, científico, biográfico, comunitário, etnográfico ou temático, reunindo acervos de diferentes formatos para traduzir conceitos, apresentar informações e propor reflexões. Assim, se consolidam como ponte de diálogo entre as pessoas e sua própria história.
Atualmente, esses espaços buscam extrapolar o ponto de vista da contemplação crítica para proporcionar vivências, experiências e interações com todos os públicos, abordando as mais diversas temáticas e perspectivas. Nasce o museu que acolhe, dialoga e se transforma a partir da escuta, tendo como principais missões a integração e a inclusão.
Exposição O Inferno de Dante (crédito: Patrícia Ugolini / Studio Cerri)
Essas instituições, agora renovadas e revitalizadas pelos ares da contemporaneidade, promovem novos caminhos para a aprendizagem e para o engajamento do público, rejuvenescendo ideias e capacitando as pessoas para buscar respostas e descobrir novas significações para a leitura do mundo e estruturação de posicionamentos diante das mais diversas realidades. São, portanto, importantes aliadas do desenvolvimento sustentável. Elas são capazes de deslocar as pessoas de seu tempo e seu espaço, das limitações impostas pela materialidade e do pragmatismo, por meio de experiências multissensoriais, que potencializam a produção de conhecimento, despertam os sentidos e estimulam a imaginação.
Diariamente, temos o desafio de levar ao museu aqueles que nunca pensaram em ir a esse tipo de espaço. É preciso despertar nas pessoas o desejo de interagir com as produções artísticas, de se desprender da realidade e de se permitir pensar em novas possibilidades de soluções para questões essenciais experienciadas no mundo vivido. Nesse sentido, as vivências imersivas promovem o desenvolvimento de conexões com os diversos públicos.
Um exemplo recente é a exposição “O Inferno de Dante – Valentina Vannicola na Casa Fiat de Cultura”. Por meio de uma narrativa visual contemporânea e do diálogo entre literatura, cinema, teatro e fotografia, a artista italiana transpõe cenas clássicas do primeiro reino de A Divina Comédia em sua produção fotográfica. Porque a exposição tem sido um sucesso entre o público? Porque ela é inclusiva. Ela encurta uma distância de mais de 700 anos entre o passado e o presente reconectando as pessoas com aspectos fundamentais da sociedade e do espírito humano, como a ética, a política, o amor, a ciência, o medo, o desconhecido.
Exposição O Inferno de Dante (crédito: Patrícia Ugolini / Studio Cerri)
Torna-se possível, então, falar sobre inclusão em sentido ampliado, colocando o público em contato com obras primas seculares e conteúdos universais – muitos pela primeira vez –, como é o caso da obra de Dante Alighieri, de uma maneira contemporânea e inovadora, que fala mais diretamente com os visitantes. No caso de Dante, essa proposta foi realizada por meio da linguagem da fotografia, uma forma de expressão que já está internalizada na vida cotidiana das pessoas e de recursos expográficos que ativam o imaginário.
No sentido de expandir o alcance dessa proposta, a Casa Fiat de Cultura oferece, gratuitamente, visitas mediadas, ações educativas, transporte para escolas públicas, cursos, palestras e inúmeras outras atividades e programações que vão de apresentações musicais a experimentações artísticas, sempre pensadas para dialogar com todos os públicos, considerando principalmente a sua riqueza de diversidade e variações.
Na mostra, tudo foi estruturado para que o público mergulhasse no universo de Dante de forma surpreendente. Em meio a uma atmosfera imersiva, o visitante pode percorrer vários ambientes que apresentam aspectos da vida e da obra do autor, edições raras do livro, sala de leitura, linha do tempo e uma sala com projeção de uma transposição do poema épico para o cinema mudo, em uma produção de 1911. Compondo também as diversas linguagens presentes na exposição, foram disponibilizados um vídeo da artista, revelando seu processo criativo, e uma mesa sensorial com objetos utilizados na expografia, além de réplicas em 3D das faces de Dante, ativando novas possibilidades sensoriais de fruição e ajudando a compor os recursos de acessibilidade dentro dos percursos de visitação.
público na exposição O Inferno de Dante (crédito: Marinha Luiza)
O futuro precisa ser imaginado antes de ser construído. A arte e os espaços de arte permitem que nos libertemos das limitações da materialidade e da temporalidade. Estar em contato sistemático com a arte nos fornece o repertório e o pensamento crítico fundamentais para a extrapolação do presente e à projeção do porvir. O museu de arte emerge, assim, como lugar essencial para se imaginar o inimaginável, pensar o impensável e construir o impossível.
Olhos que brilham, bocas assustadas, crianças curiosas, perguntas que brotam, sorrisos que transcendem o horror do inferno, são gestos que demonstram a força da arte. E adentrar nesse universo é uma pausa necessária para ver o mundo com outros olhos. Os espaços culturais são um lugar onde o passado, o presente e o porvir se conectam, abrindo novos horizontes para que o futuro sustentável possa ser imaginado, projetado e realizado para as próximas gerações.
[1] Gestora de cultural experience da Casa Fiat de Cultura. É jornalista e relações públicas, com especialização em Administração em Marketing e em Gestão para a Sustentabilidade. Há 17 anos na instituição, atua com foco em inovação, customização, valorização da diversidade e estratégia de formação de público e relacionamento.
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