Geanine Vargas Escobar [1]
A função do museu é uma função social, a serviço da sociedade. De tal modo, não se justifica investimento em guarda e conservação do patrimônio se o objetivo não for a educação e recreação da comunidade. Conforme MINEIRO (2004 p. 5), é sabido que numerosos obstáculos impedem a plena fruição do nosso patrimônio cultural móvel, seja através de inúmeras barreiras arquitetônicas que surgem ao longo de um percurso expositivo, seja através de deficiências de comunicação que se revelam na documentação de apoio de exposições ou na identificação dos objetos. Sendo assim o que se precisa primeiramente é a maior sensibilização, experiência e conhecimento dos gerenciadores da cultura para um trabalho que pense na totalidade das diversidades, informando e levando a cultura para todos os cidadãos. Buscando evidenciar a ideia da criação, os acervos preservados nos museus podem nos informar sobre o meio físico e social onde foram gerados os bens que o constituem, quais funções exerciam, como e para que eram usados e como se inseriam nos contextos socioculturais onde foram gerados. No entanto, estas instituições tão essenciais para a educação e complemento do conhecimento artístico e intelectual de todos, operam muito pouco com conceitos, características e necessidades relativas às pessoas com deficiência.
Se as necessidades de todos os indivíduos devem ser respeitadas, no ambiente dos museus e instituições patrimoniais, que têm um potencial educativo-cultural tão importante, faz-se necessário garantir o respeito das necessidades especiais dos visitantes e daqueles que poderão sê-lo, mas não encontram espaço para exercer seu direito. (SARRAF,2006, p. 02)
Aos brasileiros com deficiência não basta que seja a nossa legislação uma das mais modernas e avançadas do mundo, nesse campo: é preciso divulgá-la, fazê-la chegar aos cidadãos - sobretudo aos destinatários dos direitos que nela se garantem. Esta sociedade é democrática e reconhece todos os seres humanos como livres e iguais e com direito a exercer sua cidadania. Porém, a sociedade precisa se sensibilizar muito mais quanto à inclusão, que tem como principal objetivo oferecer oportunidades iguais para que cada pessoa seja autônoma e auto-suficiente.
A proposta para a inclusão de pessoas com deficiência visual no museu, que é uma preocupação com acessibilidade, como meio de beneficiar uma gama mais ampla da população, não é tão recente quanto parece, apesar disso, ainda estamos no início, ou no recomeço de reivindicações para que sejam colocados em prática direitos básicos, principalmente quando o foco é o direito ao lazer, a cultura e ao desenvolvimento intelectual. Conforme o Código de Ética do Conservador-restaurador, esse profissional deve contratar e empreender apenas os trabalhos que possa realizar com segurança, dentro dos limites de seus conhecimentos e dos equipamentos de que dispõe, a fim de não causar danos aos bens culturais, ao meio ambiente ou aos seres humanos.
Para definir as condições da categoria “Iluminação excelente” para exposições voltadas para a pessoa com deficiência visual, com vistas a conservação dos objetos, foram consultados os 10 Mandamentos da Iluminação de Museus (SOLANO, 2010):
- Níveis mínimos de iluminância (lux);
- Uniformidade;
- Controle de ofuscamento;
- Versatilidade da luz;
- Boa reprodução de cor;
- Boa aparência de cor;
- Valorização da arquitetura e dos espaços;
- Relação entre luz natural e artificial;
- Economia de energia;
- Conservação das obras de arte.
Seguindo os elementos primordiais para esta pesquisa optou-se pela economia de energia, relação entre luz natural e artificial e conservação das obras de arte, de forma a definir o conteúdo do que se deve entender como iluminação adequada à conservação. Por outro lado, consideram-se os mandamentos: uniformidade, controle de ofuscamento e versatilidade da luz, para verificar como deveria ser a iluminação para recepção de pessoas com deficiência visual [2]. Neste sentido, constatamos que é possível a execução de trabalhos de conservação que aproximem o público do museu. Percebemos que o conservador pode sair da Reserva Técnica e se comunicar de diversas formas com a pessoa com deficiência visual que visita (ou que deseja visitar) exposições. Uma dessas formas é através da iluminação, que aproxima todos, especialmente a pessoa com deficiência visual.
Para cada uma das pessoas com deficiência visual existem alguns aspectos que podem auxiliar de forma geral a favorecer a sua autonomia pessoal dentro das exposições museais e o conservador pode e deve atuar de forma a pensar num viés social as suas ações através da iluminação. De tal modo, pode-se observar algumas situações recomendadas para a maior autonomia da pessoa com deficiência visual no museu na tabela 1, abaixo.
Tabela 1 – Situação recomendada para Acessibilidade do Deficiente Visual no Museu.
Autor: MINEIRO (2004, p. 95)
Com o intuito de auxiliar no planejamento de exposições voltadas para a inclusão da pessoa com deficiência visual, consultou-se uma tabela elaborada por ANDRADE (2003), que apresenta níveis de iluminação recomendados por um guia técnico de acessibilidade em edificações na Espanha (2001):
Consultando-se a norma NBR-5413l, podemos observar que os dados apresentados por ANDRADE (2003), Espanha, possuem equilíbrio em suas medidas de lux e aplicabilidades para edifícios públicos no Brasil. O que se constatou, é que estas medidas tão estudadas para atividades de precisão em escritórios, por exemplo, que também podem ser utilizadas em Museus, não são estudadas para o conforto visual em instituições culturais. Sendo assim, utilizar a Iluminância Média em museus em Em = 500 lux, que é uma medida ideal para a pessoa com deficiência visual sentir-se a vontade no museu, é basicamente fazer um equilíbrio entre as normas que já existem para atividades de precisão da pessoa normo-visual com as recomendações internacionais para atividades de locomoção e inserção em exposições da pessoa com deficiência visual.
Acessibilidade e inclusão na área de Conservação-Restauro?
Todo processo de transformação é lento e exige mudanças, não apenas nas leis e políticas, mas especialmente nas atitudes de cada pessoa, essencialmente dos gerenciadores da cultura. O procedimento de ratificação e implementação da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência que é uma das tantas ações do governo nacional, não pode ser apenas um ato burocrático, mas um processo educativo, informativo e, sobretudo, participativo.
Acredita-se que esta pesquisa contribua para que mais trabalhos sejam feitos no âmbito da iluminação acessível e que mais conservadores-restauradores se sensibilizem quanto ao trabalho com inclusão no interior das instituições culturais, buscando pensar em medidas a serem tomadas quanto a conservação de acervos em exposição, seguindo todos parâmetros internacionais, mas sem esquecer-se que todos, inclusive as pessoas com deficiência visual tem direito de acesso à cultura e ao conhecimento.
REZENDE (2008, p. 16) afirma que até meados de 1970, as políticas de atenção às pessoas com deficiência versavam sobre matérias de saúde e assistência, sem, no entanto, considerar como discussão fundamental a inclusão das pessoas com deficiência no cotidiano social também pelo lazer. Não se imaginava que o lazer pudesse ser instrumento de inclusão social e, tão pouco, que pessoas com certas deficiências tivessem a capacidade de criar obras artísticas ou participar de práticas desportivas recreativas ou de alto rendimento. Entretanto, hoje podemos acompanhar uma mudança extraordinária em relação aos museus no sentido de comprometimento e melhoramento de suas estruturas arquitetônicas e de sensibilização para o acolhimento da pessoa com deficiência visual.
O museu ajuda para a autoestima e autoimagem da população, das cidades, do país. O público que vai ao museu carrega consigo seu cotidiano, sendo assim esta instituição, que é lugar de construção de valores a partir do patrimônio cultural precisa respeitar as diferenças, isto é tolerância cultural. Nesse sentido, o Governo Federal escutou as pessoas com deficiência e efetuou políticas públicas de fomento ao acesso de todos ao conhecimento, através do Plano Setorial de Museus 2010-2020 [3], "Propostas por Temas Transversais", aonde uma das propostas é "Acessibilidade e Sustentabilidade Ambiental". Este plano é uma grande conquista para as pessoas com deficiência visual, especialmente, pois prevê medidas urgentes em variados aspectos do acesso ao patrimônio cultural brasileiro nos museus.
O que se carece ainda, essencialmente, é a maior sensibilização, experiência e conhecimento dos gerenciadores da cultura para um trabalho que pense na totalidade das diversidades, informando e levando a cultura para todos os cidadãos. Por fim podemos destacar as seguintes considerações:
- A área da Conservação pode auxiliar na melhoria das condições de acolhimento nos Museus a partir de cuidados técnicos e sensoriais com a iluminação de acervos em exposições voltadas para a pessoa com deficiência visual, ampliando assim, a participação social do conservador.
- Trabalhar com o tema acessibilidade, como um caminho para promover a inclusão nos museus, não pode vir a garanti-la se não ocorrer dentro de uma mudança de valores e comportamentos sociais sobre as pessoas com deficiência.
- A percepção do objeto museal através da iluminação, sendo este objeto fonte primária da apropriação da cultura, representada pelo patrimônio universal, encontra no museu um espaço privilegiado de mediação, o que conseqüentemente, faz com que essa instituição se imponha uma grande responsabilidade, tanto político como social, de promover a interação entre o objeto cultural com seu público.
- A visão é, de todos os sentidos, o que mais informação nos proporciona. A deficiência visual envolve muitos fatores. Neste sentido, seria impossível encontrar qualquer situação padrão as condições de iluminação, contraste, tamanho de número e letra, etc, para cada uma das pessoas com deficiência visual. Por isso, esta pesquisa aborda aproximações e soluções quanto à alguns aspectos que podem auxiliar de forma geral a favorecer a autonomia pessoal do deficiente visual dentro das exposições museais.
Referências
- ANDRADE, Pablo Martín. Accesibilidad para personas con ceguera y deficiencia visual. Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE). Primera edición: Madrid, 2003.
- BENCHETRIT, Sarah Fassa. Preservar Por quê? Preservar Pra quem? In: Um olhar Contemporâneo sobre a preservação de o Patrimônio Cultural Material. Org: CARVALHO, Claudia Rodrigues Rio de Janeiro, 2008, p. 21.
- CAMACHO, Clara (Coordenação). “Colecção Temas de Museologia – Plano de Conservação Preventiva, Bases Orientadas Normas e Procedimentos”. Instituto dos Museus e da Conservação. 1ª Edição, novembro de 2007.
- REZENDE, Ana Paula Crosara e VITAL, Flavia Maria de Paiva A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008.
- MINEIRO, Clara (Coord). “Colecção Temas de Museologia - Museus e Acessibilidade”. Divisão de Divulgação e Formação (DDF) - Instituto Português de Museus (IPM) 1ª edição, Abril de 2004.
- MOREIRA, Nuno Lobo. Coleção Conservação e Restauro. A Luz como fator de degradação. IIP - Instituto Ibérico do Patrimônio, Lisboa, 2010.
- TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Políticas Públicas Culturais de Inclusão de Públicos Especiais em Museus. São Paulo. 2007. Fez-se uma adaptação do parágrafo 3, do Item 2.2.3 Públicos Especiais: A percepção multisensorial do objeto Cultural. p. 102.
Postado em: segunda-feira, 16 de julho de 2015 | 17:45 por Editoria RM
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