Maurício Vicente Ferreira Júnior [1]
Casamentos e relações dinásticas no Brasil Imperial é uma exposição de longa duração inscrita no projeto de Reformulação da exposição permanente do Museu Imperial. O circuito correspondente ao Museu de História, concentrado na ala direita do Palácio Imperial de Petrópolis, passa atualmente por uma renovação por meio de exposições temáticas que pretendem contextualizar o acervo histórico e artístico em favor de uma melhor compreensão da história e da memória do período monárquico brasileiro.
Assim, a presente exposição busca estabelecer uma reflexão sobre as relações internacionais no contexto de fundação do Estado nacional brasileiro. Na Europa do século XIX, a busca pela afirmação do nacionalismo provocou um contexto político instável, que oscilava entre a beligerância e a harmonia entre as nações. Desde há muito, os casamentos entre membros das famílias soberanas eram instrumentos fundamentais para o estabelecimento de pactos políticos e alianças estratégicas entre os países. No Oitocentos, ainda permanecia a marca dinástica dos Estados nacionais europeus com suas alianças bilaterais seladas por meio de enlaces principescos. E no Brasil, que ao conquistar sua independência optou pela forma monárquica de governo, a prática tornou-se igualmente corrente.
O acerto de um “negócio” [de Estado], como era chamado o casamento real, obedecia a uma diplomacia específica que, por sua vez, compreendia uma série de negociações e tratados estabelecidos entre as casas reinantes de onde provinham os noivos. Uma vez acertado o contrato, abria-se um período de cerimoniais próprios à importância do acordo político representado pela união.
O primeiro himeneu – palavra de origem helênica usada para designar casamentos – apresentado na exposição Casamentos e relações dinásticas no Brasil Imperial iuniu – simbólica e diplomaticamente, o Reino de Portugal ao Reino da Espanha, com o casamento de d. João Maria de Bragança e Bragança (1767-1826), infante de Portugal, segundo filho da rainha reinante d. Maria I e do rei-consorte d. Pedro II, com d. Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Borbón y Borbone-Parma (1775-1830), filha primogênita do futuro rei espanhol d. Carlos IV e de d. Maria Luísa, nascida princesa de Parma. Quando do casamento, o futuro rei de Portugal, Brasil e Algarves era um jovem de 18 anos e sua futura rainha, uma criança de apenas 10 anos de idade. É o que observamos no retrato de d. Carlota Joaquina, de autor anônimo. Ou no retrato eqüestre de d. João, pintura do artista João Tomás da Fonseca produzida a partir da estampa de número LVIII da obra “A Luz da Liberal e Nobre Arte da Cavallaria offerecida ao Senhor D. João Príncipe do Brasil”, da autoria de Manuel Carlos de Andrade, publicada em Lisboa pela Regia Officina Typografica, em 1790. Esta última, pertenceu às coleções real portuguesa, Ricardo do Espírito Santo Silva e Newton Carneiro até ser adquirida pela Sociedade de Amigos do Museu Imperial para ser doada ao Museu Imperial, em 2014.
Após a derrota definitiva de Napoleão Bonaparte em 1815, os estados que formaram a Santa Aliança passaram a ditar os rumos da Europa. No contexto do Congresso de Viena, Rússia, Áustria e Prússia procuraram conquistar hegemonia política por meio de estratégias de geopolítica. O poderoso chanceler austríaco Klemens Wenzel von Metternich, elevado à condição de príncipe de Metternich por ato do imperador Francisco I, viu no casamento do príncipe herdeiro português d. Pedro de Alcântara (1798-1834), futuro imperador d. Pedro I, com a arquiduquesa Leopoldina (1797-1826) uma excelente oportunidade para fortalecer a posição da Áustria no Novo Mundo. Para Portugal, a situação também era interessante, pois o casamento selaria uma aliança com uma das mais longevas e influentes casas reinantes da Europa, além de amenizar a dependência que o país sofria com relação à Inglaterra.
O contrato de casamento foi assinado em Viena, a 29 de novembro de 1816, por Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, 6º marquês de Marialva, o príncipe de Metternich e Fernando, arquiduque herdeiro da Áustria e irmão de d. Leopoldina. O casamento, por procuração, foi realizado na Igreja de Santo Agostinho, na mesma capital, em 13 de maio de 1817, dia do aniversário do príncipe regente d. João, que seria aclamado e sagrado rei de Portugal, Brasil e Algarves no ano seguinte. O noivo foi representado pelo tio de d. Leopoldina, o arquiduque Carlos, duque de Teschen. A comitiva, composta por políticos, diplomatas, militares, artistas e cientistas, deixou Viena em 3 de junho de 1817, chegando ao Rio de Janeiro em 5 de novembro do mesmo ano. O desembarque de d. Leopoldina seria registrado na belíssima gravura a buril de Jean-Baptiste Debret e Charles Simon Pradier, como parte inicial da maior celebração até então ocorrida no Rio de Janeiro. O local é o Arsenal de Marinha, tendo, ao alto, o Mosteiro de São Bento. Ao centro, vê-se o casal de noivos, observado pelo séquito, com destaque para d. Carlota Joaquina e d. João, que sobe ao coche, e seus filhos, os príncipes d. Miguel, d. Maria Teresa, d. Maria Francisca, d. Isabel Maria e d. Maria da Assunção, à direita.
Com o casamento, registrou-se uma interessante ironia do destino, pois d. Pedro acabaria se tornando concunhado de Napoleão Bonaparte, casado, desde 1810, com a princesa Maria Luísa, irmã de d. Leopoldina. O mesmo Napoleão Bonaparte cujas tropas invadiram Portugal, em 1807, provocando a fuga da família real portuguesa para o Brasil.
Com o falecimento da imperatriz d. Leopoldina em 1826, d. Pedro I incumbiu o diplomata Felizberto Caldeira Brat Pontes de Oliveira Horta, marquês de Barbacena, de achar-lhe uma nova esposa. Após várias recusas, o ministro brasileiro em Paris, Domingos Borges de Barros, visconde de Pedra Branca e pai da futura preceptora da princesa d. Isabel, a condessa de Barral, consegue o aceite da tutora e mãe da noiva, a já viúva, princesa Augusta Amália da Baviera, duquesa de Leuchtenberg. A cerimônia de casamento teve lugar no Palácio Leuchtenberg, em Munique, a e de agosto de 1829. A noiva, princesa Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Leuchtenberg (1812-1871), tinha apenas 17 anos, e o noivo, de 30 anos de idade, foi representado pelo príncipe Karl Theodor da Baviera (1795-1875), tio de d. Amélia. Para celebrar a união, d. Pedro criou a Imperial Ordem da Rosa, cuja legenda era “Amor e Fidelidade”. Mais uma vez, a sombra do corso mais famoso da História se fez presente, pois d. Pedro acabara de se casar com a neta da imperatriz Josefina (1763-1814), primeira esposa de Napoleão Bonaparte. D. Amélia chegou ao Brasil em 15 de outubro de 1829, acompanhada do marquês de Barbacena, de seu irmão, Augusto de Beauharnais, duque de Leuchtenberg, e da jovem rainha d. Maria II, então com 10 anos de idade.
Em um futuro muito próximo, o destino selaria a vida desses personagens. D. Pedro abdicou o trono brasileiro em 1831, em favor do filho d. Pedro II, e partiu para a Europa a fim de defender os direitos da filha, d. Maria II, contra a usurpação de seu irmão, d. Miguel I. D. Maria II, quando finalmente assumiu seu trono, desposou Augusto de Beauharnais-Leuchtenberg (1810-1835) − duque de Leuchtenberg e príncipe de Eichstätt na Baviera e duque de Santa Cruz no Brasil − para dele enviuvar em apenas dois meses de casamento.
As alianças reforçavam a endogamia, multissecular, entre os Braganças, os Bourbon (e seu ramo Orléans), os Habsburgo, os Wittelsbach e os Wettin (em especial o ramo Saxe-Coburgo-Gotha).
Em muitas ocasiões, os “consórcios” eram celebrados por procuração, isto é, quando um dos noivos não está presente fisicamente ao evento, sendo representado por outra pessoa. Assim, os nubentes só se conheciam após a realização da cerimônia. Foi o caso do matrimônio de d. Pedro II com d. Teresa Cristina Maria, princesa do Reino das Duas Sicílias, em 1843. O contrato do casamento foi assinado em Viena pelo emissário brasileiro, Bento da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, e Vincenzo Ramirez, ministro do Reino das Duas Sicílias, em 20 de maio de 1842. A escolha do local coube ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, futuro visconde de Sepetiba, em atendimento ao pedido do imperador da Áustria, Fernando II, interessado em acompanhar, de perto, as negociações para os casamentos de seus sobrinhos brasileiros, as princesas d. Januária e d. Francisca e, principalmente, d. Pedro II.
Em 30 de maio de 1843, teve lugar no Palácio Real de Nápoles o casamento civil seguido da cerimônia religiosa realizada na Real Capela Palatina, cena registrada três anos depois por Alessandro Cicarelli, em pintura a óleo sobre tela. Em ambos os momentos, d. Pedro II, que estava no Brasil, foi representado pelo príncipe Leopoldo de Bourbon, conde de Siracusa, irmão da noiva.
A já imperatriz do Brasil embarcou na fragata Constituição no dia 1º de julho, zarpando sob a escolta de duas corvetas brasileiras e três fragatas napolitanas. A frota aportou no Rio de Janeiro, em 3 de setembro daquele ano. E no dia seguinte, teve início um longo período de comemorações que incluíram missa em ação de graças, espetáculos musicais e de teatro, paradas militares, iluminações públicas, cunhagem de medalhas comemorativas, impressão de litografias, distribuição de prêmios, festas populares e uma ampla concessão de títulos de nobreza, ordens honoríficas e promoções na Marinha.
Na geração seguinte, vemos os casamentos das filhas de d. Pedro II com d. Teresa Cristina, assuntos descritos na correspondência familiar como os “negócios n. 1 e n. 2”.
Casar com a herdeira do trono brasileiro, contrato de casamento identificado como o “negócio n. 1”, era vantajoso para a maioria dos príncipes europeus, mas ao mesmo tempo, impunha condições que deveriam ser avaliadas pelo pretendente. O eventual imperador-consorte deveria residir em caráter permanente no Brasil, com esporádicas, senão pouquíssimas, visitas à sua terra natal. Foi esse um dos motivos pelos quais o príncipe Pedro de Orléans (1845-1919), duque de Penthièvre, filho dos príncipes de Joinville e sobrinho-afilhado de d. Pedro II, recusou-se a desposar a princesa d. Isabel. O primo alegou não querer “renunciar à França”, como justificou sua mãe, d. Francisca.
Em 1864, as negociações prosperaram para a resolução simultânea dos “dois negócios”. Chegaram ao Brasil dois sobrinhos de d. Fernando II e dos Joinville: Gaston de Orléans (1842-1922), conde d´Eu – título que recebeu do avô, Luís Felipe I, ao nascer -, e Luiz Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha (1845-1907), duque de Saxe. Bastava decidir quem se casaria com quem. Uma tendência inicial sugeria a escolha do duque de Saxe para a princesa imperial do Brasil – em grande parte pela experiência dos Saxe-Coburgo em ocupar a posição de reis e príncipes consortes, a exemplo do próprio padrinho de d. Isabel, rei d. Fernando II de Portugal, e do príncipe Alberto, marido da rainha Vitória da Grã-Bretanha. Com a chegada dos noivos ao Brasil, no entanto, a escolha recaiu sobre o conde d´Eu. O casamento ocorreu na manhã do dia 15 de outubro de 1864 e, às 15 horas do mesmo dia, os noivos subiram para passar a lua de mel em Petrópolis, na casa de Joaquim Ribeiro de Avelar, futuro visconde de Ubá, hoje ocupada pela reitoria da Universidade Católica de Petrópolis.
Assim, observamos que o mesmo século registrou uma ligeira mudança em direção aos costumes da sociedade burguesa, fazendo da exposição “Casamentos e relações dinásticas no Brasil Imperial” um exercício de reflexão sobre a inserção do Brasil no cenário internacional de transição dos costumes e cerimoniais principescos para a modernidade.
[1] - Master of Arts - Museum Studies (SUNY) e Bacharel em História (UFRJ). Pesquisador do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura e diretor do Museu Imperial - Ibram - MinC. Professor de História na Universidade Católica de Petrópolis. Parecerista, membro de comissões técnicas, consultor de diversas instituições e curador de mais de 40 exposições no Brasil e no exterior, incluindo “Casamentos e relações dinásticas no Brasil Imperial”. É membro da Comissão de Arte Sacra e Liturgia da Diocese de Petrópolis e do Conselho Consultivo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. É sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e presidente do Comitê Brasileiro do Programa Memória do Mundo da UNESCO. Recebeu a Ordem do Mérito Cartográfico da Sociedade Brasileira de Cartografia (2014), a Medalha Mérito Tamandaré da Marinha do Brasil (2013), a Medalha de Honra ao Mérito Cláudio de Souza do PEN Club do Brasil (2013) e a Medalha de Honra ao Mérito - 80 Anos da Escola de Museologia - UNIRIO (2012). Publicou artigos em diversos periódicos no Brasil e no exterior e capítulos em obras coletivas, além de catálogos como O império em Brasília: 190 anos da Assembleia Constituinte de 1823. Brasília: Câmara dos Deputados/Senado Federal, 2013, e relatórios institucionais, como o City Hall Park Site 2 – Archaeological Report. New York: The New York City Landmarks Preservation Commission, 1993.
Legendas das imagens
01. Contrato de casamento do príncipe d. Pedro com a arquiduquesa de Áustria Leopoldina de Habsburgo. Viena, 29 de novembro de 1816. Acervo do Museu Imperial – Ibram – MinC.
02. Jean-Baptiste Debret (del.) & Charles Simon Pradier (grav.). Desembarque da arquiduquesa de Áustria Leopoldina de Habsburgo. Gravura a buril. s/d. Acervo do Museu Imperial – Ibram – MinC.
03. Funcções do casamento de sua magestade imperial o senhor Dom Pedro Io com a sereníssima senhora princeza Amélia de Leuchtenberg. Rio de Janeiro: Typographia Imperial de P. Plancher-Seignot, 1830. Acervo do Museu Imperial – Ibram – MinC.
04. Alessandro Ciccarelli. Casamento por procuração, da imperatriz d. Teresa Cristina, na Capela Real Palatina em Nápoles, pelas 10h da manhã do dia 30 de maio de 1843. Óleo sobre tela, 1846. Acervo do Museu Imperial – Ibram – MinC.