Fernanda Miranda de Vasconcellos Motta [1]
“(...) a partir das mediações, qualquer coisa se passa, produz-se um acontecimento, uma passagem, que não deixa nada como dantes” (DAVALLON, 2007, p.15).
Um desafio posto às instituições contemporâneas é pensar a mediação cultural, a partir da dinâmica sujeitos/coletividades. Esse processo, de acordo com Davallon (2007),relaciona-se tanto com os fluxos informacionais quanto com aspectos sociais, semióticos e tecnológicos da vida. Trata-se deacessar um fenômeno cultural complexo e heterogêneo, que propõe outra sensibilidade, baseada em experiências construídas por pessoas e comunidades. Partindo dessa visão, o 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim, intitulado “Entre sujeitos e coletividades” [2] , abordou estudos e práticas em torno das possibilidades de aprendizagem instauradas pela mediação e pelas iniciativas de inclusão social, nos espaços culturais. Os temas subjetividade, coletividade e vulnerabilidade estabeleceram conexões entre projetos vinculados a contextos sócio-culturais distintos.
As atividades da organização Redes da Maré foram apresentadas pela educadora Suélen Brito (2018), que destacou as parcerias articuladas entre instituições comunitárias, organizações da sociedade civil, universidades, poder público e iniciativa privada como pontos fortes. Ela define que “a rede é um coletivo feito por sujeitos da Maré, em conjunto com sujeitos da cidade”. Tem-se a mobilização dos atores sociais em torno de cinco eixos: arte e cultura; direito e segurança pública; comunicação, memória e identidade; desenvolvimento territorial e educação. Essa iniciativa comunitária está em sintonia com o pensamento de Barbosa (2011), para quem a cultura é campo aberto para a experimentação social, com função crítica e transformadora.
Já Cecília Vicuña (2018), co-fundadora da plataforma digital Oysi, abordou questões sobre tradições culturais, arte, ciência e tecnologia, relacionando-as com diferentes perspectivas espaciais e temporais. O projeto resgata a tradição oral e a força criativa das culturas indígenas, ressignificando-as, a partir do diálogo com comunidades e tecnologias da modernidade. Vicuña recorreu aMarshall McLuhan (1964), intelectual que indicou um movimento de resgate do valor da oralidade, no cenário de avanços tecnológicos que se apresenta. Há convergências entre indivíduos e coletividades, linguagens arcaicas e modernas, tecnologias analógicas e digitais, o que gera uma sociedade híbrida, rica em diversidade.
A estes dois projetos soma-se um terceiro, apresentado por Yana Klichuk (2018): a Bienal Manifesta 12. O que a diferencia de outras bienais é sua proposta de engajamento comunitário, por meio de um programa de mediação cultural afinado com vivências coletivas, experimentações, debates, trocas de experiências e novas possibilidades de fruição artística. O projeto começou em 1996, em Amsterdã - Holanda e, em 2018, ocorreu em Palermo - Itália. Partindo do princípio de que muitas pessoas da comunidade local não estão familiarizadas com a arte contemporânea, a Bienal propõe criar interações entre elas e manifestações artísticas diversas. Busca-se compreender as diferentes realidades e culturas que coexistem, por meio de um mapeamento educacional e sócio-cultural, e construir relacionamentos com atores sociais, estimulando o protagonismo destes. Um pré-requisito é o exercício da escuta ativa em relação às demandas da comunidade, evitando a imposição de ideias e garantindo autonomia para que ela própria defina o que é interessante conhecer, vivenciar, intercambiar. As principais dimensões do projeto são:
Figura 1 – Dimensões centrais da Bienal Manifesta 12
Fonte: adaptado de Yana Klichuk (2018)
A Bienal Manifesta 12 propõe, portanto, convivência, descentralização, colaboração e experimentação, em relação à arte contemporânea, com base em dimensões intra e intersubjetivas dos indivíduos e coletividades.
Além de evidenciar conexões entre os projetos abordados, a gerente de educação do Instituto Inhotim, Yara Castanheira (2018), problematizou sobre os museus na contemporaneidade. Como as instituições museais podem ajudar as pessoas a lidar com a complexidade do mundo? Por que as pessoas vão aos museus? Qual é o significado dos museus hoje, considerando-se que suas funções se modificam ao longo do tempo? Ela considerou a noção de “museu afetivo”, que acolhe a subjetividade, a diversidade, e afeta os sujeitos. Destacou também o uso dos acervos como ferramentas educacionais, estimulando a apropriação, pela comunidade, dos saberes que eles carregam. À função de preservação, o museu contemporâneo agrega funções de fruição, estudo, pesquisa, comunicação e experimentação. Para isso, torna-se essencial conectar os conteúdos culturais dos museus às experiências de vida dos públicos. A partir de uma polifonia de significados, busca-se aumentar as possibilidades de interação entre pessoas com perfis diversos e impulsionar a confiança criativa, a capacidade de cada um experimentar, imaginar, criar, ousar. Essas palavras ecoam o pensamento de Waldisa Rússio Guarnieri (1984), museóloga brasileira, de que o museu deve ser feito com a comunidade, e não para a comunidade.
Todo o debate alinhou-se ao que Davallon (2007) definiu como dialética do singular e do coletivo. O referido autor argumentou que mediação é conceito que se aplica ao espaço singular onde vivem e se exprimem as pessoas. É o “jogo das mediações” que, na atualidade, cria uma rede heterogênea de humanos e não humanos. Em síntese, essa proposição é coerente com a defesa, por parte de Edgard Gouveia Júnior (2018), da gamificação como estratégia de mediação cultural. De acordo com ele, os jogos, dinamizados por plataformas digitais, aplicativos de mídias móveis, redes sociais e comunidades na internet, são capazes de conectar realidades físicas e virtuais, engajando sujeitos e coletividades em processos contínuos de repensar e reelaborar significados e práticas culturais.
[1] Graduada em Comunicação Social. Mestre em Administração. Doutoranda no Programa de Gestão e Organização do Conhecimento – PPG-GOC/UFMG, professora na disciplina “Mediações: o uso de tecnologias”, no curso de graduação em Museologia/UFMG (estágio docente supervisionado/2º. Semestre 2018). Bolsista FAPEMIG.
[2] O 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim foi realizado de 13 a 15 de setembro de 2018, em Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais, Brasil.
Agradecimentos
À Profa. Dra. Cátia Rodrigues Barbosa, titular da disciplina “Mediações: o uso de tecnologias” do curso de graduação em Museologia/UFMG, e coordenadora do grupo de pesquisa MusaeTec. À Yara Castanheira, gerente de educação do Instituto Inhotim, pelo incentivo à participação dos alunos da disciplina “Mediações: o uso de tecnologias” no 4º. Seminário Internacional do Instituto Inhotim. Aos alunos, pela participação no Seminário, em 14/09/2018, e pelos relatos feitos sobre a experiência. À FAPEMIG, pelo apoio financeiro a esta autora, em seu processo de doutoramento junto ao PPG-GOC/UFMG.
Referências Consultadas
- BARBOSA, Ana Mae Barbosa.In: Museus: o que são, para que servem? São Paulo: Brodowski, 2011 (Capítulo X – Museus ontem e hoje).
- BIENAL MANIFESTA 12. Disponível em: www.m12.manifesta.org . Acesso em: 14/09/2018.
- BRITO, Suélen. Palestra proferida no 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim. Brumadinho, 14 de setembro de 2018.
- CASTANHEIRA, Yara. Palestra proferida no 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim. Brumadinho, 14 de setembro de 2018.
- DAVALLON, Jean. A mediação: a comunicação em processo? Revista de Ciências e Tecnologias de Informação e Comunicação – Prisma.com. no. 4, 2007. Disponível em: www.ojs.letras.up.pt . Acesso em: 20/09/2018.
- GOUVEIA JÚNIOR, Edgard. Palestra proferida no 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim. Brumadinho, 14 de setembro de 2018.
- GUARNIERI, Waldisa Rússio. In: ARANTES, A. A. (Org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984 (Texto III).
- KLICHUK, Yana. Palestra proferida no 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim. Brumadinho, 14 de setembro de 2018.
VICUŇA, Cecília. Palestra proferida no 4º. Seminário Internacional de Educação do Instituto Inhotim. Brumadinho, 14 de setembro de 2018. - McLUHAN, Marshall. Understanding media: the extensions of man. New York: McGraw Hill, 1964.
- OYSI. Disponível em: www.http//oysi.org . Acesso em: 14/09/2018.
- REDES DA MARE. Disponível em: www.redesdamare.org.br . Acesso em: 14/09/2018.